Os convidados desceram dos cómodos para finalmente se juntarem no grande salão para dar início ao baile que se prolongaria pela noite toda. Kenward tinha músicos peritos que iriam tocar pela noite dentro dando muitas vezes liberdade á sua inspiração e espontaneidade, respondendo aos desafios de motes e temas, lançados pelo próprio público.
Á medida que os convidados foram descendo, e se ambientando, os olhos de Aurora procuraram freneticamente por Elliot. Tanto os senhores como as senhoras desceram ao mesmo tempo. E Aurora, reparando logo na sua ausência, perguntou a Henry por Elliot. Este respondeu-lhe que ele havia saído da sala não fazia muito tempo e que provavelmente não demoraria a aparecer quando se apercebesse que todos se encontravam no salão. Aurora decidiu confiar na resposta do seu conhecido, e dito isto, sentou-se numa poltrona esperando que Elliot chegasse. Isabel tinha ido dançar com o seu esposo, afinal, aquela era a primeira dança da noite. Aurora não podia deixar de admirar o quão encantadores os dois eram. Desejava que a felicidade de Isabel fosse plena e suave, como as flores desabrochando uma e outra vez, todas as primaveras.
Aguardou, mas não muito, quase que podia sentir que alguma coisa se havia passado. Toda a gente estava ou a dançar, ou a conversar efusivamente com alguém, e como Isabel e William se encontravam na pista, e Henry tinha ido pedir a uma das moças dos Blair para dançar, esta estava sozinha. Decidiu então ir procurar Elliot, talvez tivesse a sorte de o encontrar sem ter que ir muito longe.
*
Elliot ainda se encontrava em sofrimento no quarto de hospedes. Já não era tanto um sofrimento físico, ainda que sentisse um desconforto enorme no peito, mas sim um mal estar emocional. Ouvindo a música e o som dos tacões a baterem no soalho, soube que os bailados já haviam começado e certamente Aurora estaria muito constrangida por ficar sozinha. Levantou-se com dificuldade, e de seguida penteou os cabelos negros com as pontas dos dedos. Olhou para o espelho do armário e notou o quão pálido estava. Já era normal ter um tom cálido, mas agora, estava ainda mais exagerado. Sentiu necessidade de se abstrair da imagem que via reflectida no espelho, imediatamente.
Saiu do quarto, e enquanto andava tentou se recompor, apesar da mão direita ainda pressionar o peito, como se isso pudesse por algum milagre abrandar e ritmar o seu coração. Quando se aproximava da entrada do salão, viu Aurora sair. Certamente o teria vindo procurar. Ficou agradecido a Deus, ou a qualquer entidade divina, que esta não tivesse vindo mais cedo para o encontrar no estado em que estava. Não queria que ela soubesse de nada. As ofensas de Edward eram tão sujas, tão malévolas, tão ordinárias e tão mentirosas que até Aurora se sentiria melindrada e afetada caso as soubesse. Mas Elliot não era um bom mentiroso, e Aurora prestava atenção em todos as minúcias, por isso não ia conseguir mentir por completo e fazê-la acreditar que se encontrava integralmente bem. Diria só que tivera uma ligeira indisposição ainda quando estavam em salas separadas, porque certamente isso era impossível de esconder, mas o resto, não pretendia contar absolutamente nada.
Aurora viu-o quase de imediato ao fundo do corredor. Percebeu logo pela expressão, e pela mão que pressionava o tórax, que alguma coisa havia acontecido, e assim sendo, correu nos seus botins de creme até o alcançar.
- Elliot!! O que aconteceu? Não me minta, consigo ver pela sua expressão que não está bem...
- Não se preocupe... A sala era pequena e fechada e havia imenso fumo dos charutos e cigarros contido nas paredes. Senti-me desconfortável, e decidi vir ao jardim um pouco para conseguir respirar. Mas agora já estou melhor...- Elliot agarrou as mãos enluvadas de Aurora e penetrou o seu próprio olhar cansado, mas terno e meigo, no dela. - Vamos? Certamente não vai querer perder a próxima dança.
- Foi realmente isso que aconteceu? - Aurora tinha um olhar apreensivo e aflito sobe Elliot. - Não consigo deixar de ter a sensação que algo mais aconteceu. Mas não quero insistir consigo, espero que, se existe mais alguma coisa, me venha a contar em alguma altura... Quanto á dança, sinceramente posso passar bem sem ela, podemos ficar sentados apenas enquanto se recupera...Desde que esteja ao meu lado para me fazer companhia, nada mais almejarei. - Aurora sorriu enquanto disse isso, e Elliot puxou-a contra si, abraçando-a vigorosamente. Queria ser capaz de a proteger a ela, e a toda ingenuidade e benevolência que lhe eram inerentes. E no entanto, sentia-se extremamente incapaz, inútil. Se ao menos o seu abraço pudesse repelir todos os ataques e ofensas que se levantariam contra ela, certamente estaria mais do que a salvo! Mas a realidade não funcionava desta maneira. E sabia que não seria capaz de a resguardar para sempre.
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Um campo de Lírios Brancos
Historical FictionO tempo é a era vitoriana, mais precisamente 1857, em Inglaterra. Elliot é um jovem herdeiro de uma família fidalga, recomendado pelos seus bons modos, pelas suas virtudes, pelas suas crenças humanitárias, e sua indulgência. No entanto, padece de...