Ponto de Vista

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Certa vez, ao chegar ao local onde trabalhava e fazer como sempre fiz, isto é, passar na cantina para tomar um café, fui surpreendido por uma moça simples, que talvez não tivesse o ensino médio completo, talvez nem tanta cultura, trabalhadora em um balcão de lanchonete, mas que demonstrou ter sabedoria de monge Tibetano.

Eu, autor de livros, professor, considerado por muitos como muito culto e com inteligência acima da média, estava aprendendo uma lição com uma moça na pós- adolescência, que veio de um país africano e que na sua simplicidade me ensinou muito mais do que muitos mestres com quem tive contato. A conversa foi mais ou menos assim:

—Professor aconteceu alguma coisa com o senhor? Chega aqui sempre sorrindo e brincando com todos e hoje chegou quieto e sério. O senhor está bem? Falou a moça.

Respondi que estava bem sim e não estava nem triste e nem mal humorado, só pensativo e quando ia filosofar sobre estado de espírito, alegria, etc., fui interrompido por ela.

—O senhor está certo em ficar quieto. Quem brinca muito não é levado a sério e quem está sempre sorrindo, demonstrando felicidade, acaba sendo alvo de inveja, pois felicidade incomoda.

Depois do que ouvi minhas possíveis filosofias sobre qualquer assunto tinham perdido o sentido diante de tanta sabedoria. Por mais que me seja triste admitir, em muitos momentos da minha vida não fui reconhecido como esperava por brincar muito e devo ter incomodado muita gente com meu sorriso constante e minha forma pouco politicamente correta de estar sempre alegre e ser extremamente extrovertido e chegar nos lugares fazendo festa.

Já tinha tido uma amostra grátis de que deveria rever minha postura, quando um amigo me disse que eu não era morno, era quente ou frio. Isto é, ou gostavam de mim pela minha forma de ser ou me achavam um idiota pretensioso. Eu não era como outras pessoas que passam despercebidas. Palavras dele, e eu nunca havia notado isso com tanta clareza.

Escrevo hoje sobre isso, porque alguém com quem trabalho há pouco tempo e de quem tenho a melhor impressão voltou a falar sobre isso de outra forma. Disse ele:

—Temos que mostrar as pessoas o quanto você é realmente bom profissional. Porque você realmente é bom profissional.

Sou, mas não pareço. Isso deve ter sido motivado pelas observações feitas pelas minhas costas a ele.

O interessante disso, é que muito dessa frase passa pela afirmação da jovem Angolana: "Quem brinca muito não é levado a sério e felicidade incomoda".

Como atender o requerimento de postura adequada das instituições, que privilegiam a seriedade e a postura austera, sem perder a alegria de trabalhar nelas. Isso me parece à filosofia de como segurar um pássaro: "nem tão apertado que o sufoque, nem tão frouxo que ele fuja". O difícil é achar esse meio termo.

Uma vez, quando trabalhava em outra empresa tentei mudar minhas características de personalidade e comportamento, tentei ser politicamente correto, o resultado foi desastroso. Tornei-me uma caricatura de mim mesmo, superficial e inadequado. Meus resultados foram catastróficos e quase perdi o emprego.

Ouvi esses dias que deveria ser mais resiliênte, palavra nova no meu vasto dicionário, mais uma vez prova que se aprende a cada dia. Segundo o dicionário Winkipédia, "resiliência ou resilência é um conceito oriundo da física que se refere à propriedade de que são dotados alguns materiais de acumular energia quando exigidos ou submetidos a estresse sem ocorrer ruptura", resistência à pressão. Mesmo ele não tendo usado a palavra mais adequada para a situação, pelo crédito que tem comigo, me fez pensar.

Na verdade o meu querido amigo estava querendo fazer menção a outras propriedades. Propriedades estas da qual é dotada a água, de se moldar a qualquer espaço físico, flexibilidade (ter facilidade para se adequar a variadas situações), de coesão que se refere ao fato de que ela se une com facilidade a outras substâncias (trabalhar com qualquer um) e aderência que é sua propriedade de estar junto a substâncias heterogêneas se espalhando sobre elas sem causar qualquer dano (água sobre um vidro plano, ela não quebra o vidro para ocupar seu espaço e se espalha de forma homogênea), coexistência pacífica com outras matérias (trabalhar em qualquer lugar).

Ele só esqueceu que vez por outra a água também, por necessidade ou fatores externos, se torna enxurrada e carrega tudo que tem a frente, não é o caso agora. Ou se torna vapor e se dissipa com o vento, algumas vezes a melhor solução.

Na verdade tudo que me falam me leva a reflexão. Acredito no meu potencial, mas acredito que sou um ser humano em constante mudança e desenvolvimento.

Pensei muito e cheguei a seguinte conclusão:

1) A minha opinião não é definitiva, mas não vou permitir que a opinião dos outros controlem minha vida ou me façam mudar a minha essência.

2) Tenho objetivos e apesar de todos os obstáculos vou atingi-los. Quero e mereço ser feliz.

3) Não preciso me preocupar com os problemas sem solução ou que eu não possa solucionar. Eles por si só irão se resolver. Até porque, uns não têm solução mesmo e os outros nada eu posso fazer.

4) Vou continuar buscando fazer o certo sempre, mas entendo que errar faz parte do meu crescimento e do meu aprendizado.

5) Jamais, mesmo que queiram me fazer acreditar o contrário, vou deixar de acreditar na minha capacidade e na minha força de modificar a mim mesmo e as coisas que estão ao meu redor.

6) O hoje é diferente do ontem e o amanhã não tenho como definir como será, portanto vou viver um dia de cada vez.

7) As pessoas são falhas, portanto, por mais que eu queira o contrário, elas sempre poderão me decepcionar.

8) Ninguém é igual a ninguém e nada é igual a nada, portanto o que vale pra um não vale para todos.

9) Não preciso mudar minhas características básicas para agradar ninguém, mas posso buscar melhorar minhas deficiências a cada dia. Virtudes e defeitos estão nos olhos de quem vê e isso eu não vou poder nunca mudar.

10) O meu compromisso maior tem que ser com a minha felicidade. Porque, na verdade, só existe uma pessoa no mundo realmente comprometida com isso, eu mesmo.

Sentimentos - Ensaios e CrônicasOnde histórias criam vida. Descubra agora