Cinquenta Tons de Cinza

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Li recentemente um texto de Ricardo Jordão sobre o livro/filme "Cinquenta Tons de Cinza" conclamando aos homens a encantar as mulheres como faz o personagem principal com seu par no filme. Fantástico!

Parece fácil. Só precisa fazer exatamente o que ela quer ou espera que ele faça. Pilotar o próprio avião, consertar o próprio ar condicionado, seduzi-la com jogos sexuais, etc. etc. etc. Como se na vida real isso pudesse ser executado por anos a fio com o mesmo resultado. Ele um Adônis e ela uma Venus encarnada.

Em todo o texto a preocupação é de que o homem agrade a mulher e torne a vida dela um conto de fadas. Pelo que tive a impressão, ela não tem que fazer nada e todo relacionamento só dá errado porque o "babaca" do macho alfa é negligente na sua obrigação de atender as necessidades da "princesa encantada".

No texto a impressão que dá é que ninguém envelhece, ninguém tem filhos, ninguém está preocupado com as contas que tem para pagar e a vida é uma maravilha ad infinitum. Minha mãe dizia que quando o dinheiro saí pela porta o amor saí pela janela. E não é uma questão de ser ou não interesseiros e sim uma questão de que em "casa que não tem pão, todos gritam e ninguém tem razão". Não tem Cinquenta Tons de Cinza que resista a cagar de porta aberta, peidar embaixo do edredom, roncar, ter TPM, etc. etc. etc.

Com o dinheiro dele é mole. Agora sem o dinheiro dele, mesmo na época que você está flertando, quando você faz metade do que ele faz caí na "friends zone" e não sai de lá nem quando o inferno esfriar. Que dirá a lindinha aceitar ser submissa, apanhar de chicote e ainda se apaixonar. Sem contar que no caso dele são cinquenta tons de cinza, no de um ser humano normal é Maria da Penha e porco chauvinista que faz da mulher objeto.

Eu escrevo romance. No romance tudo é perfeito, mas na vida real viver a dois é tão difícil quanto enfiar uma linha no buraco de uma agulha com luvas de boxe no escuro. Encantar uma mulher sempre deve ser missão só para o Christian Grey. Porque infelizmente mulheres são de Vênus e homens são de Marte. Toda mulher tem uma lógica só dela e compreender essa lógica é no mínimo um enigma da Esfinge. Sem contar que quando toda mulher nasce seu gosto por homens não passa sequer pelo controle de qualidade menos rigoroso. 90% das mulheres não dá valor a quem as trata como especial, ela prefere os canalhas que não estão nem aí para elas. Que as enganam, que as usam, que mentem descaradamente para elas, etc. etc. etc. FATO. Lógico que existem exceções, mas são raríssimas.

Costumo contar uma estória que no mínimo é surreal. Um cara se aproximou de uma menina e falou: Você é o bombonzinho que está faltando na minha caixa. A reação foi ela fechar a cara e o rapaz ir embora. A seguir ela virou para uma amiga próxima e falou: Que cara idiota. Logo a seguir veio outro cara e falou a mesma coisa. Ela começou a rir e acabou por ambos trocarem vários beijos. No dia seguinte a amiga perguntou: Não entendi o outro cara falou a mesma coisa e você o taxou de idiota, porque o que você ficou era diferente. A resposta: porque ele era uma gracinha. Qual a lógica?

A pior coisa que uma mulher pode falar sobre um homem é: Ele é tão bonzinho, um ótimo amigo. Principalmente se ele estiver apaixonado por ela. Isso porque ele a tratou com carinho, com atenção, com cuidado e tentou agradá-la.

Outra coisa no texto que me chama atenção é que o autor está preocupado em elencar o que o homem deve fazer para agradar a mulher. Como se a relação fosse unilateral. Ambos têm a obrigação de completar um ao outro e não um ficar constantemente preocupado em agradar ao outro, enquanto o outro não.

Vi no texto vários tópicos do que o homem deveria fazer e nenhum do que a mulher deveria fazer. Igualdade ambígua. Subversão de valores.

No texto todo homem deve ser um Christian Grey, mas a mulher não precisa ser uma Anastasia Steele. Estranho.

Ver um filme como Cinquenta Tons de Cinza é inspirador, mas daí a acreditar que na vida real você poderá duplicar exatamente o que você viu tem uma distância maior do que do Sol a Plutão.

Viver a dois é um exercício constante de tolerância e renuncia de ambos. É um constante se reinventar e aceitar que o outro é falho e que você não escolheu um semideus ou semideusa como companheira. Que muitos serão os erros e que é preciso muito amor e boa vontade para superar isso. E acima de tudo que consertar é sempre melhor que jogar fora, pois o que pode vir a seguir acaba sendo muito pior do que o que você tinha antes. A menos que a sua escolha já tenha sido um erro.

Um relacionamento a dois não é um conto de fadas ou um romance de folhetim. É um exercício de superação com alguns momentos felizes, muitos sonhos e a realidade do dia a dia. O pior é que sempre achamos que a fruta da casa do vizinho é sempre mais doce do que a nossa. Ah se pudéssemos ver por dentro da casca exterior quanta coisa ruim que tem por dentro.

Vale a pena sonhar como Christian Grey e Anastasia Steele, mas viva como João e Maria. A vida é real.

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