15 - O marreco de novembro

52 1 0
                                    

O porteiro, na verdade, também era o segurança particular da Landschaft. Ex-guarda municipal cambeense e praticante de fisiculturismo peso leve, trabalhava como funcionário terceirizado da Stalker, uma empresa especializada em serviços de vigilância e escolta.

Era descendente de eslovacos e tinha 35 anos. Seus olhos eram escuros, feito burquinhas de vidro liso, e seus cabelos, cortados em estilo militar, eram tão castanhos quanto nozes de feira livre. Vestia um uniforme azul-marinho de manga curta, com logotipo amarelo estampado na altura do peito. Calçava coturno preto e lustrado, e tinha amarrado à cintura um cassetete de couro endurecido, cuja ponta era equipada com um taser de 50.000 volts.

Quando Carolina se voltou para o balcão, percebeu que ele estava rindo sozinho. Sentado na cadeira da portaria, de pernas cruzadas e apoiando uma mão no queixo, olhava para a tela do seu tablet, atento e risonho, exibindo dentes amarelados de café.

Percebendo que Carolina o observava, apontou-lhe o tablet e ergueu o polegar em gesto de aprovação, dizendo com humor:

— Você fica bonita numa tela de alta definição. Ela faz jus ao modelo real.

Deixando Daniel sozinho com seu celular, Carolina se aproximou do balcão e perguntou, de cara fechada:

— Curtindo minha imagem, Marcelo?!

— É difícil não curtir. Você fala bonito, mas também aparece bem arrumada na frente da câmera.

— Eu... o quê?

— Não é à toa que te incluíram no banco de dados da clínica Batismo de Lázaro.

— ...

Carolina se debruçou sobre o balcão, tentando ver o tablet.

— O que você está vendo, afinal?!

— Seu último vlog. Eu ainda não tinha assistido.

— Era... era isso que você estava fazendo, enquanto eu conversava com Daniel?

— Sim. Antes de você chegar, ele me disse sobre a repercussão do seu último vlog. Então eu resolvi assistir.

Carolina, por um instante, ficou sem palavras. Não sabia se ele estava fingindo, ou se falava a verdade.

Já Marcelo, animado com a atenção dela, prosseguiu dizendo:

— Tem algo que não entendi. Por que marreco?

— O quê?

— Na seção de comentários do vídeo, algumas pessoas te chamam de marreco.

— Ah, isso. É que meu nome foi inspirado no Marreco Carolina. Eu nasci em novembro, mês em que ele se reproduz no Brasil.

— Seus pais são seletivos quanto a nomes.

— Bem, foi ideia da minha mãe. Ela é ornitóloga.

— Entendi. Então é mais uma homenagem do que um apelido.

— Por aí.

— Mas sinceridade? Com esse rosto, você é mais cisne do que pata.

— Cisne, é?! Ou talvez seria pônei de raça?

— Como?

— ...

— Que foi?

— Você... conhece o Clube do Cowboy Recauchutado?

— Conheço o quê?

— ...

Carolina olhou para o celular. O rastreador continuava indicando:

Usuário Procriador_Veterano encontra-se a 5 metros de distância, na rua Niemeyer, Parque Emam, Londrina/PR.

Foi quando escutou, logo atrás de si, Daniel dizendo em voz alta:

— Com licença, mas por que o senhor está me encarando o tempo todo? Faz tempo que está aí, parado na porta, olhando para o meu lado! Tem algum problema comigo?

Marcelo colocou o tablet sobre o balcão e se levantou, dizendo:

— Posso ajudá-lo, senhor?

Carolina olhou para a tela do tablet. De fato: estava rodando o vídeo do seu último vlog. Não estava aberto na página do Cowboy Recauchutado. Marcelo poderia já tê-la fechado, mas... ele não parecia ser o tal usuário. Nem mesmo sabia do que se tratava.

Então, virando para a porta de entrada, deparou-se com um senhor idoso. Um senhor que, segundo deu a entender Daniel, esteve ali o tempo todo, só observando.

Carolina olhou novamente o celular. Seu rastreador não arredava pé: o Procriador_Veterano estava ali.

O vlog de Carolina e o feriado antecipado no calçadãoOnde histórias criam vida. Descubra agora