O porteiro, na verdade, também era o segurança particular da Landschaft. Ex-guarda municipal cambeense e praticante de fisiculturismo peso leve, trabalhava como funcionário terceirizado da Stalker, uma empresa especializada em serviços de vigilância e escolta.
Era descendente de eslovacos e tinha 35 anos. Seus olhos eram escuros, feito burquinhas de vidro liso, e seus cabelos, cortados em estilo militar, eram tão castanhos quanto nozes de feira livre. Vestia um uniforme azul-marinho de manga curta, com logotipo amarelo estampado na altura do peito. Calçava coturno preto e lustrado, e tinha amarrado à cintura um cassetete de couro endurecido, cuja ponta era equipada com um taser de 50.000 volts.
Quando Carolina se voltou para o balcão, percebeu que ele estava rindo sozinho. Sentado na cadeira da portaria, de pernas cruzadas e apoiando uma mão no queixo, olhava para a tela do seu tablet, atento e risonho, exibindo dentes amarelados de café.
Percebendo que Carolina o observava, apontou-lhe o tablet e ergueu o polegar em gesto de aprovação, dizendo com humor:
— Você fica bonita numa tela de alta definição. Ela faz jus ao modelo real.
Deixando Daniel sozinho com seu celular, Carolina se aproximou do balcão e perguntou, de cara fechada:
— Curtindo minha imagem, Marcelo?!
— É difícil não curtir. Você fala bonito, mas também aparece bem arrumada na frente da câmera.
— Eu... o quê?
— Não é à toa que te incluíram no banco de dados da clínica Batismo de Lázaro.
— ...
Carolina se debruçou sobre o balcão, tentando ver o tablet.
— O que você está vendo, afinal?!
— Seu último vlog. Eu ainda não tinha assistido.
— Era... era isso que você estava fazendo, enquanto eu conversava com Daniel?
— Sim. Antes de você chegar, ele me disse sobre a repercussão do seu último vlog. Então eu resolvi assistir.
Carolina, por um instante, ficou sem palavras. Não sabia se ele estava fingindo, ou se falava a verdade.
Já Marcelo, animado com a atenção dela, prosseguiu dizendo:
— Tem algo que não entendi. Por que marreco?
— O quê?
— Na seção de comentários do vídeo, algumas pessoas te chamam de marreco.
— Ah, isso. É que meu nome foi inspirado no Marreco Carolina. Eu nasci em novembro, mês em que ele se reproduz no Brasil.
— Seus pais são seletivos quanto a nomes.
— Bem, foi ideia da minha mãe. Ela é ornitóloga.
— Entendi. Então é mais uma homenagem do que um apelido.
— Por aí.
— Mas sinceridade? Com esse rosto, você é mais cisne do que pata.
— Cisne, é?! Ou talvez seria pônei de raça?
— Como?
— ...
— Que foi?
— Você... conhece o Clube do Cowboy Recauchutado?
— Conheço o quê?
— ...
Carolina olhou para o celular. O rastreador continuava indicando:
Usuário Procriador_Veterano encontra-se a 5 metros de distância, na rua Niemeyer, Parque Emam, Londrina/PR.
Foi quando escutou, logo atrás de si, Daniel dizendo em voz alta:
— Com licença, mas por que o senhor está me encarando o tempo todo? Faz tempo que está aí, parado na porta, olhando para o meu lado! Tem algum problema comigo?
Marcelo colocou o tablet sobre o balcão e se levantou, dizendo:
— Posso ajudá-lo, senhor?
Carolina olhou para a tela do tablet. De fato: estava rodando o vídeo do seu último vlog. Não estava aberto na página do Cowboy Recauchutado. Marcelo poderia já tê-la fechado, mas... ele não parecia ser o tal usuário. Nem mesmo sabia do que se tratava.
Então, virando para a porta de entrada, deparou-se com um senhor idoso. Um senhor que, segundo deu a entender Daniel, esteve ali o tempo todo, só observando.
Carolina olhou novamente o celular. Seu rastreador não arredava pé: o Procriador_Veterano estava ali.
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O vlog de Carolina e o feriado antecipado no calçadão
HumorQuando Carolina se tornou vlogueira, ela ainda acreditava no poder da honestidade. Achava que isto sempre falaria mais alto, independente da situação. Porém, ela acabou subestimando o maior vilão deste país: a agressividade da opinião pública brasil...