32 - Miguxês gerenciado

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Fernanda não gostava de resmungar com os outros. Seu coração era mole demais para aguentar a frieza que, geralmente, vinha após uma bronca.

Além disso, mesmo sendo para desencargo de consciência, e não para remediação de uma injustiça, detestava pedir desculpas à pessoa censurada. Sempre se obrigava a fazê-lo, e sempre sentia a mesma coisa: ingrato rebaixamento, como se engolisse um sapo por quem não merecia.

Porém, naquela manhã de sexta-feira, um dia antes do Dia do Trabalho, ela estava possessa. Seu Paulo, um dos seus clientes mais importantes, estava ofendido com as palavras de Carolina, crente de que ela, durante a discussão na portaria, questionara sua sexualidade.

Cabia a ela, a formosa promotora de publicidade, convencê-lo a continuar divulgando com a Landschaft, utilizando-se de mimos conciliadores que o demovessem de sua braveza. Muito semelhante ao tratamento dispensado a uma criança emburrada.

Logo, ao notar que Alice estava alheia a esta situação, e que se interessava mais em tagarelar com a vlogueira do que liberá-la para o trabalho, viu-se em posição de confrontar sua autoridade, dizendo irritada:

— Alice, essa conversa não pode esperar? Temos um problema muito maior para resolver! E você sabe disso, pois ajudou a torná-lo ainda pior!

Alice detestou ouvir isto. Além de censurá-la, Fernanda também a chamou de problemática. Era uma mancha em sua imagem pessoal. E fez isto na frente de Carolina, a funcionária com quem, até então, tivera pouco contato, e que, numa única conversa, conseguiu encantá-la pelo resto do dia.

Momentos atrás, quando a vlogueira chamou-a de conivente, Alice preferiu ser amigável. Estava presa ao encanto dos seus olhos hortelãs, portanto levou isto na esportiva. Não queria despertar antipatias entre elas.

Fernanda era um caso diferente. Seu corpo de bailarina malhada, 100% aceitável num programa de auditório, todo delineado pelo uniforme indiscreto, deixava Alice insegura quanto a sua feminilidade. Uma insegurança que a obrigava a reparar no tamanho dos seus peitos, tentando involuntariamente compará-lo ao tamanho dos próprios.

Também amargava o comprimento de suas coxas carnudas, lamentando que as dela, órfãs do acompanhamento de um personal trainer, estivessem deformadas pela celulite.

Estar junto da promotora não era um conforto: era uma competição desleal. Diminuía sua autoestima e lembrava-lhe sobre a vinda da meia-idade. E o fato de seus resmungos estarem interrompendo a conversa com Carolina, que no momento era a companhia favorita, não tornava Fernanda menos desagradável. Antes, conseguia torná-la mais insuportável.

Como tal, seguindo o exemplo da maioria dos gerentes de Londrina, que frequentemente se deixavam levar pelo poder do seu cargo, tentou fazer o que sabia de melhor: impor respeito hierárquico.

— Fernanda, eu também estou resolvendo um problema sério com Carolina. Esta conversa não pode esperar. Então seja breve em me responder o segunite: como piorei seu problema, seja ele qual for? Pois eu mesma não sei do que está falando.

— Estou falando de você ter rido da cara do Seu Paulo, justo depois de Carolina tê-lo irritado no térreo.

— Ah, Fernanda! Isso é sério? Ele aparece usando óculos amarelo e aparelho dentário verde, e eu não posso rir?

— Mas foi a maior falta de respeito, Alice. Ele não gostou disso. Agora tá todo nervoso na minha mesa, pronto pra cancelar o contrato conosco.

— Se ele quer se fazer de palhaço, eu vou tratá-lo como palhaço. E afinal de contas: o que é leléqui?

Alice, relembrando a aparência e a voz de Seu Paulo, começou a rir. Olhando para Carolina, perguntou:

— Ele também disse leléqui pra você?

O vlog de Carolina e o feriado antecipado no calçadãoOnde histórias criam vida. Descubra agora