Valéria levou a mão à boca. Viu Carolina apoiar-se na parede, tentando manter o equilíbrio. O rosto dela ficou encoberto pelo cabelo, ganhando uma marca vermelha na bochecha, no formato dos dedos de Fernanda.
Esta, por sua vez, mantinha suas mãos na altura do peito, em posição de sentido, pronta para qualquer retaliação.
Se Carolina pretendia revidar, não deu tempo de descobrir. Pois Valéria, prevendo o pior, resolveu dar um passo adiante. Colocou-se entre as duas, volvendo seus olhos azuis para a promotora.
Suas pupilas brilhavam intensas, frias e alertas, revelando grande autoridade. Tomou-a pelo pulso, dizendo:
— Venha comigo.
Sua voz firme trouxe Fernanda de volta a si, fazendo com que olhasse para o rosto coberto de Carolina. Num segundo, percebera o que fez.
— Eu... eu...
O ódio virou ansiedade. Começou a tremer, baixando uma das mãos até a coxa. A outra permanecia firme entre os dedos de Valéria, que começou a puxá-la para a porta, dizendo:
— Vá para o vestiário. Lave o rosto. Peça dispensa para o Carlos, se precisar. Mas não volte aqui enquanto não estiver calma.
Fernanda não respondeu. Apenas caminhou lentamente, cuidando para não esbarrar em Carolina. Deixou-se guiar pela ruiva, ouvindo-a dizer:
— Entendeu o que eu disse, Fernanda?
Nisso, o ego dela se feriu. Era como se recebesse um puxão de orelha. Não achou justo ser tratada assim, enquanto Carolina era poupada. Afinal, foi ela quem a ofendeu primeiro.
Rancorosa, respondeu:
— Vou dizer o que eu entendi. Entendi que vocês são um bando de panelinhas! Só sabem babar ovo pela Carolina!
— O quê?
Fez um movimento brusco, soltando-se da mão de Valéria. Suas mechas, movendo-se para a frente do rosto, prenderam-se entre seus lábios. Sentiu o gosto amargo do shampoo, antes de assoprá-las para longe.
Endireitando os ombros, disse:
— Alice preferiu ficar de papinho com ela no corredor, em vez de vir me ajudar com Seu Paulo. Dalborga preferiu socorrê-la, em vez de me levantar do chão. E agora você vem me dar bronca, mesmo ela me xingando primeiro.
Apontou para a escrivaninha, elevando a voz.
— Eu fico aqui abandonada, correndo atrás de patrocinadores o dia todo! Fico carregando essa empresa nas costas, cumprindo minhas metas todos os meses! E em vez de vocês me darem valor, só ficam paparicando a bonitona ali! Só ficam preocupados em passar a mão na cabeça dela! A mesma que está afastando a maioria dos nossos patrocinadores! E tudo por quê? Só porque ela é a famosinha! A lindinha dos olhos verdes! A bonequinha cheirosa com quem todos os maconheiros da faculdade querem trans...
Fernanda mordeu o lábio. Seu pudor católico a impediu de continuar. Virou o rosto e mexeu nos cabelos com a ponta dos dedos, envergonhada do que dissera.
Valéria, ironicamente, olhou por cima dos ombros dela, atenta à Carolina.
A vlogueira estava na mesma posição, com o braço direito apoiado na parede, enquanto o esquerdo tombava junto ao corpo. A gola da camisa, escorregando até o bíceps, revelava seu ombro esmorecido, delineado pela manga da camiseta preta.
Não esboçou reação. Não dava sinais de que escutara Fernanda. Apenas ficava ali, encoberta por suas mechas lisas e escuras, impedindo Valéria de adivinhar seus pensamentos.
Como tal, ajeitando a lapela, a âncora preparou-se para reconduzir Fernanda para a porta.
Mas antes de poder fazê-lo, a loira voltou a olhar para Seu Paulo, que continuava desmaiado aos pés da cadeira, dizendo:
— Antes Alice tivesse ficado no outro corredor, fofocando com a boazona! Maldita a hora em que fui procurar pelas duas! Olha isso! Olha o martírio que ela colocou nos meus ombros!
Pôs a mão na testa. Estava cansada de ficar ali. Respirou fundo e fez o sinal da cruz, dando sua benção ao velho zuero.
Não sentia piedade dele. Pouco se preocupava com sua saúde. Só fez isto por desencargo de consciência. Mesmo querendo perdoá-lo, ainda lembrava-se de como ele a tratara, enquanto estiveram na redação.
Dando-lhe as costas, seguiu por conta própria para o estúdio, esbarrando no ombro de Valéria. Fechou a porta com estrondo, fazendo a âncora pular de susto.
Valéria alisou o tecido do blazer. Torceu o lábio, indignada com o esbarrão. Tentou relevar o caso, certa de que Fernanda passara por maus momentos. Contudo, também fez questão de memorizar o que ela lhe fez.
Apegada ao aprumo, desceu as mãos pelo quadril, desfazendo as dobras da saia, ao mesmo tempo em que via Carolina arrumar a gola da camisa, colocando-a de volta ao lugar.
Aproveitou a oportunidade para lhe dizer:
— É melhor ir para a sala do Carlos. Faz tempo que ele está te procurand...
Foi quando emudeceu, segurando a respiração. Pensou tê-la ouvido fungar.
— ...
Quando Carolina jogou o cabelo para trás, Valéria entendeu por que ela esteve imóvel, escondendo-se atrás do cabelo.
Sua face estava banhada de lágrimas.
* * * *
O autor e seu estúdio de literatura estão trabalhando num projeto paralelo. Seu nome provisório é Utaite.
Por conta disso, o próximo capítulo será publicado no dia 08/09, as 00:00, horário de Brasília. Esforços estão sendo feitos para oferecer um entretenimento variado, sofisticado e cada vez melhor.
* * * *
Compilação dos capítulos 17 a 33 disponível gratuita no Smashwords, Itunes, Kobo e Barnes & Noble. Acesse a página do meu perfil para conferir os links.
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O vlog de Carolina e o feriado antecipado no calçadão
ЮморQuando Carolina se tornou vlogueira, ela ainda acreditava no poder da honestidade. Achava que isto sempre falaria mais alto, independente da situação. Porém, ela acabou subestimando o maior vilão deste país: a agressividade da opinião pública brasil...