— Eles colocaram minha foto em seu banco de dados, porque precisam de, como você me descreveu, modelos de beleza. Tanto minha foto quanto a foto de várias outras pessoas estão guardadas lá. Assim, os casais interessados poderão escolher o design do bebê, usando as fotos como guia.
— Então... sua foto está lá porque eles te acham bonita?
— Sim.
— E eles acham que as pessoas querem ter filhas iguais a você?
— Em aparência, sim.
— Será?
— Acredite: isso acontece. Pra você ter uma noção, a clínica só pode me usar como modelo se tiver minha autorização por escrito. E, até agora, eles já me consultaram três vezes, porque três casais se interessaram em ter uma filha igual a mim.
— Igual? Tipo 100%?
— Bem, o resultado não será 100%, mas a clínica promete chegar o mais próximo possível.
O sangue indígena de Daniel ardeu de preocupação. De boca aberta por uns três segundos, tentou digerir a informação. Quando falou novamente, demonstrou certa angústia.
— Mas se isso virar moda... mais cedo ou mais tarde, todo mundo vai querer um bebê sob medida!
— Eu sei. Esse é o tema do momento. O tema sensível do qual te falei. Especialmente no Brasil, que é um país miscigenado. Estão chamando o serviço de limpeza étnica.
— Não é a toa que é um tabu! Por que você foi falar num assunto desses? A mídia tem razão: é um verdadeiro terreno minado!
— Eu sabia no que estava me metendo. Ainda não tenho opinião formada sobre a moralidade do serviço, mas... bem, os fãs queriam saber o que eu achava sobre minha foto ficar disponível na clínica. Eu respondi que, na minha opinião, estava tudo bem. Que qualquer casal era livre para usar engenharia genética em seus embriões, se quisessem.
— …
Carolina percebeu a mágoa silenciosa de Daniel. A conversa estava começando a ofendê-lo. Com medo de que ele mudasse de opinião a seu respeito, tentou se explicar melhor.
— Mas entenda: eu não disse que APROVO isso. Muito menos incentivei as pessoas a buscarem o serviço. Eu só disse que, numa democracia, todos são livres para se consultar na clínica Batismo de Lázaro, se assim desejarem. Se é ou não um ato imoral, já é outra conversa.
Daniel olhou para a porta de entrada, como se tentasse inventar uma desculpa para sair. Carolina, ainda determinada a se defender, pegou no braço dele e continuou:
— Entende? Eu nem cheguei perto de dizer "é a coisa certa para os nossos bebês". Eu só disse "quem quiser, que faça. A consequência é toda sua."
— ...
— Mas agora ficam me dizendo "você é a favor da eugenia! Você estimula as pessoas a criarem bebês perfeitos! Você está disseminando ideias sobre raça superior! Você quer que todos tenham a mesma aparência! Preconceituosa, recalcada, é por isso que o Brasil não vai pra frente!"
— Eu... eu sei lá, Carolina.
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O vlog de Carolina e o feriado antecipado no calçadão
HumorQuando Carolina se tornou vlogueira, ela ainda acreditava no poder da honestidade. Achava que isto sempre falaria mais alto, independente da situação. Porém, ela acabou subestimando o maior vilão deste país: a agressividade da opinião pública brasil...