Enquanto Daniel e Carolina conversavam sobre o gerente e a lanchonete, César esteve combinando alguns detalhes extraoficiais com Marcelo.
Avisou-o sobre a vinda de uma encomenda particular, pedindo que o chamasse assim que ela aparecesse, e que, de preferência, não avisasse ninguém sobre isso. Uma encomenda que, segundo deixou subentendido, não tinha nada a ver com a imobiliária, nem com sua ocupação de estagiário.
Marcelo, a princípio, ficou relutante. Tentou convencer César a avisar a gerência sobre essa aquisição, para então obter de Carlos uma autorização por escrito, permitindo o recebimento do que quer que estivesse vindo, sem a necessidade de que ele, Marcelo, usasse a discrição.
Documentações burocráticas, segundo entendia, eram como um plano de saúde para o emprego: garantiam a sobrevivência da carteira assinada.
Porém, no final, acabou cedendo ao pedido de César. Concordou em lhe mandar uma mensagem de texto, tão logo a encomenda chegasse, e prometeu manter tudo isto em segredo, mesmo sem saber no que estava se metendo, e mesmo desconhecendo o conteúdo do pacote.
Seu cuidado com os procedimentos legais da empresa até existia, mas sua gula por espetinho de gato e cerveja pilsen, recompensas prometidas por César no final do expediente, tornavam esse cuidado uma qualidade desmotivadora e brochante.
Afinal, para o brasileiro comum, era melhor ganhar uma vantagem corrupta do que exercer uma virtude ordeira. A preferência nacional se encontrava na malandragem, não no cumprimento do dever.
César, satisfeito com o acordo, disse:
— Pode me emprestar o tablet? Vou entrar na conta do meu BFF´s e te adicionar como meu melhor amigo. Você merece.
— Sério? Não precisava disto, mas... aqui, pode pegar.
— Precisava sim. Pessoas solidárias fazem a diferença quando estão unidas, portanto estou reunindo só os melhores ao meu redor. Isso inclui você.
— Obrigado!
Marcelo, ainda amargo pelo mal entendido com Seu Paulo, e como tal carente de agrados, aceitou o elogio com entusiasmo. Entregou-lhe o tablet com as próprias mãos, em vez de deixar que César o pegasse sozinho. Estava feliz em retribuir a gentileza.
No tablet, o visualizador de vídeos exibia uma imagem pausada do vlog de Carolina. E César, em vez de acessar o navegador de internet, tal qual estava pretendendo, acabou se distraindo com o rosto da vlogueira.
Não por causa dos lábios rosados, da pele hidratada, dos olhos hortelã ou dos cabelos sedosos escorrendo ombro abaixo, e sim por causa dos pixeis desfocados aparecendo no canto da tela. A qualidade da imagem estava prejudicada, e ele, sendo responsável pelas redes sociais, teve medo de que isto desagradasse os internautas.
Com o tablet na mão, apontou o vídeo para Marcelo e lhe disse:
— Isso é ruim. Não podemos apresentar vídeos de baixa qualidade em nosso site. Se o dono da imobiliária descobrir isso, vai colocar a culpa em mim. E daí, não serei efetivado no final do meu estágio.
— E também será ruim pra Carolina, não é?! Digo, foi ela quem gravou o vídeo.
César respondeu que sim, numa voz educada e prática. Porém, no fundo, foi um sim magoado. Segundo pensava, Marcelo deveria estar preocupado com o futuro dele, não com o de Carolina. Especialmente após tê-lo declarado seu melhor amigo. Não lhe parecia uma retribuição justa.
Marcelo, por sua vez, tinha sentimentos diferentes. Sua consideração estava voltada para Carolina, a garota esperta, charmosa e gostos... formosa do seu trabalho, cuja presença, por si só, justificava todo um expediente.
César podia ser amigo, receptivo e generoso, mas ele tinha algo que Carolina não tinha: pênis. E esse seu pênis, em todo seu tamanho e pelagem, jamais permitiria a Marcelo dedicar um sentimento diferente de "Boa sorte com sua vida, mas permanecendo bem aí, longe de mim. Devemos ficar paralelos um ao outro, nunca perpendiculares."
A má qualidade do vídeo, segundo Marcelo pensou, precisava ser informada à Carolina. E isso não deveria ser feito daqui a pouco, e nem por outra pessoa. Tinha de ser feito naquela hora, por ele mesmo.
Não pela integridade do audiovisual da imobiliária. Menos ainda pelo emprego de César. Era mais para conversar novamente com a vlogueira, tornando-se, pela segunda vez, alvo de sua atenção, e pela oportunidade de, quem sabe, conquistar seu afeto, após se mostrar útil em alguma coisa.
Motivo pelo qual ele se voltou para ela, animado e cheio de expectativas, dizendo:
— Carol, vem aqui. Você vai querer ver isto.
Carolina, nem um pouco ciente das intenções de Marcelo, e ainda incomodada com as palavras de César, posto que já esperava uma bronca na sala da gerência, ou até mesmo uma demissão, não gostou desse "você vai querer ver isto". Parecia novos problemas para ela.
"Com esse César por perto, o próprio missionário da tragédia alheia, o que mais posso esperar dali? Tsc, não preciso contar o resto dos minutos pra saber que este será um longo dia."
Enquanto ela, de má vontade, dirigiu-se para o balcão, Daniel permaneceu ao lado do elevador, vestindo seus óculos de realidade virtual.
Momentos atrás, tinha enviado uma mensagem a um colega de trabalho, perguntando-lhe o motivo da reunião do sindicato.
A resposta veio por mensagem de celular, dizendo o seguinte:
Vista os óculos. Em vez de falar, é melhor eu te mostrar.
* * * *
Novo capítulo no dia 15/06, entre 22:00 e 23:00, horário de Brasília.
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O vlog de Carolina e o feriado antecipado no calçadão
ЮморQuando Carolina se tornou vlogueira, ela ainda acreditava no poder da honestidade. Achava que isto sempre falaria mais alto, independente da situação. Porém, ela acabou subestimando o maior vilão deste país: a agressividade da opinião pública brasil...