45 - Trocando o time

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Com a chegada de Renato, Dalborga achou desnecessário ficar ali. Parando de andar em círculos, pegou sua toalha de rosto, que estivera se balançando ao redor do seu pescoço, e secou sua testa. Então, de cenho franzido, dirigiu-se para a porta do estúdio, com passos firmes e olhar penetrante.

Enquanto avançava para lá, escutou Renato lhe perguntar:

— O que aconteceu?

Dalborga resmungou, sem interromper o passo.

— Um corretivo socioalinhador.

— Mesmo? Está parecendo mais uma cena de reportagem policial.

— Dá no mesmo. Ambos são feitos com vagabundos.

Ganhou acesso ao estúdio e dirigiu-se agitado para a redação, ávido por café.

Alice não ficou contente com sua partida. Embora se espantasse com a demonstração de fúria exibida minutos atrás, preferia tê-lo ao seu lado do que ficar sozinha com os funcionários mais jovens.

Não tinha nada contra Carolina. Ela não lhe causava desconforto. Fernanda e Renato eram os verdadeiros problemas. Seus corpos modelados, roupas apertadas e pele sadia lembravam-na de tudo o que ela supunha não ser: mocinha, bem cuidada e desejável.

Logo, preparou-se para se retirar. Arrumou a gola do seu blazer e desamassou a lateral de sua saia, seguindo então para a porta do estúdio, ouvindo Renato também lhe perguntar:

— O que aconteceu aqui, realmente?

— Uma higienização social.

— ...

— Ou controle de pragas, se preferir.

— Falando assim, parece mais um ativismo pró-ariano.

— Dá no mesmo. Ambos servem para expurgar os impuros.

— Os impuros? Ou aqueles que, presume-se, são desagradáveis demais para serem olhados?

— Não seja ridículo. Daí já seria extremismo.

Antes de sair, Alice virou-se para Carolina, dizendo toda entusiasmada, como se fosse uma amiga íntima:

— Quando eu chegar no meu escritório, vou te adicionar no meu Bicadas. Assim que puder, entre no chat e termine de me contar sua teoria, tá?!

Carolina, ainda segurando Cloara pelo ombro, e nervosa com a imobilidade de Fernanda, ficou confusa. Embora se repugnasse com a simpatia da gerente, perguntou:

— Qual teoria?

— Aquela de que a mídia está te chamando de preconceituosa de propósito. Você estava prestes a me explicar, quando Fernanda nos interrompeu.

— Hmm...

Carolina ergueu uma sobrancelha, irônica.

— Acho que você terá outros assuntos para resolver nesta tarde.

— Terei mesmo. Por exemplo: rasgar o contrato da Narcisa & Brizola, deletar o Seu Paulo do nosso banco de dados, encontrar um segurança freelancer para trabalhar amanhã, no Dia do Trabalho. Foi bom você me lembrar destas coisas. Mas tudo bem: eu arrumo tempo para conversarmos no chat.

— Quis dizer que você se ocupará com o delegado.

— Que delegado?

— O mesmo que te espera na delegacia da polícia civil.

— Ninguém aqui vai para a delegacia, Carol.

— Ah não? Olhe ao seu redor e me diga se isto não terminará num boletim de ocorrência, Alice!

Alice piscou o olho, charmosa e sapeca, fazendo com que Carolina torcesse o lábio, em sincera repugnação.

Sorrindo confiante, zombou dizendo:

— Pela graça do status quo, eu te asseguro: nenhum B.O. irá macular meu direito de ir e vir.

— O B.O. em si não, mas a interferência da Secretaria Municipal do Idoso bastará para jogá-la no xadrez.

— Menina esperta, mas de pouca fé. Creia nas cifras desta que vos fala. Posso ouvir um amém?

— ...

— Bonitinha. Eu te perdoo pelo vácuo. E que a benção do santo Maluf, padroeiro da elite impune, esteja sobre todos nós.

Então se retirou, evitando de fazer contato visual com Renato, nem mesmo se preocupando com o que acontecera com Cloara.

Renato, usando um microfone auricular, ordenou ao seu Eagle Glass o comando:

— Ligação. SAMU.

A minúscula tela óptica do seu óculos digital exibiu o texto:

Destinatário: Serviço de Atendimento Móvel de Urgência

Método: VoIP

Operadora: Vencomtel

Chamando...

Carolina, olhando para Seu Paulo pelo vão da escrivaninha, escutou Renato dizer:

— Oi. Tem um ferido no prédio em que trabalho. Preciso de uma ambulância. Não, não sei o que aconteceu. É um senhor idoso. Está desmaiado no chão e tem um ferimento aberto na cabeça. É aqui na imobiliária Landschaft. Fica na rua Niemeyer, Parque Emam. Já estão vindo? Tudo bem, obrigado.

Então, encerrando a ligação, Renato se aproximou de Seu Paulo, olhando a poça de sangue ao redor de sua testa.

— Que estrago! Acho melhor mover ele para longe do sangue.

Mas antes de tocá-lo, Carolina disse:

— Melhor não. Quando Dalborga o chutou, eu escutei alguma coisa estalando. Acho que ele quebrou um osso.

— Dalborga chutou o old man?

— Sim, duas vezes.

— Por quê?

— Ah... corretivo socioalinhador, como ele mesmo falou.

— O que é isso? Vocês formaram uma sociedade secreta? Agora só ficam falando por códigos.

— Deixa disso e me ajuda com a Cloara. Não sei por quanto tempo Fernanda aguentará segurá-la assim.

Renato, dando a volta na escrivaninha, agachou-se atrás de Cloara e levantou-a em seus braços. Carolina também se levantou, notando que Fernanda permanecera onde estava.

Antes de checar se ela precisava de alguma coisa, viu Valéria Duffato entrar na central, que simplesmente dissera, fria e inalterável, quando viu o velho zueiro jogado ao chão:

— Não sabia que Londrina fazia delivery de pautas jornalísticas.

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Novo capítulo dia 13/08, as 00:00, horário de Brasília.

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Compilação dos capítulos 17 a 33 disponível gratuita no Smashwords e Itunes. Acesse a página do meu perfil para conferir os links.

O vlog de Carolina e o feriado antecipado no calçadãoOnde histórias criam vida. Descubra agora