41 - Uma católica de joelhos, mas sem orações

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Carolina, estando diante de uma Alice modificada, friamente agressiva e pró-bolsonários, ficou tensa. Após ouvir a sugestão de que ela tinha utilidade ao grupo extremista, sentiu os dedos se contraírem, formigando em nervosismo.

Assim como o menosprezo de Alice mudara para admiração, a ofensa de Carolina se transformou em estressante vulnerabilidade, posto que, antes, entendia-se apenas assediada por um miguxês amolador e presumivelmente despropositado, enquanto que, agora, via-se cobiçada para finalidades extremistas. Ou, pelo menos, supunha serem extremistas, já que diziam respeito aos bolsonários.

Porém, mesmo não gostando de sentir-se assim, exposta e visada, tão pouco quis ficar no escuro. Se Alice dizia haver demanda por seu bom senso, poder de argumentação e carisma, tal qual ela os descrevera, Carolina desejava saber o motivo. Não por mera curiosidade, ou por impulsos vaidosos, como se pensasse “quero saber, em detalhes, o que estão vendo em mim”, feito uma escritora de fanfic carente por elogios gratuitos.

Longe disso: era mais para futura referência. O que quer que Alice estivesse vendo nela, e o que quer que a fizesse julgá-la disposta a colaborar com os bolsonários, Carolina quis desassociar de sua imagem, o quanto antes. Pois, se não o fizesse, receava ter dificuldades para negociar novos patrocínios.

Não era submissa aos seus patrocinadores, mas também cuidava para não aborrecê-los. Na medida do possível, evitava motivá-los a boicotar seu vlog.

Sendo assim, quando Fernanda as interrompeu, perguntando "do que estão falando?", toda bronqueada com a negligência ao ferimento de Seu Paulo, Carolina cortou-a de imediato, resmungando enfurecida:

— Como assim do que estão falando? É assunto nosso, Fernanda! Não se mete!

— Eu me meto sim! Isso é hora pra vocês discutirem? Ajudem o Seu Paulo primeiro!

— Ninguém aqui está se preocupando com ele. Por mim, ele fica onde está!

— É fácil pra você falar. Ele não está jogado no seu setor, e sim no meu! Vocês querem me complicar?

— A limpeza deste setor é responsabilidade sua, não minha. Pegue a vassoura e livre-se da sujeira você mesma.

— Não tem graça, Carolina! Isso é omissão de socorro. Se ele morrer, podemos ir pra cadeia!

Fernanda fez o sinal da cruz, novamente clamando pela intervenção divina, ainda eximindo-se de providenciar, ela própria, uma intervenção humana. Atitude zelosamente omissa, própria a 90% da comunidade religiosa, condizente ao catolicismo benévolo, mas nada intrusivo, da promotora.

Carolina, querendo se esclarecer sobre essa tal utilidade aos extremistas, e percebendo que Alice, a agressora em si, estava alheia aos protestos de Fernanda, tentou colocar um ponto final no caso de Seu Paulo, propondo:

— Pegue seu headset e chama o SAMU. Essa coisa pendurada no seu pescoço não é decoração. Serve para telefonar.

— Sim, mas pegue o kit de primeiros socorros, fazendo favor. Temos que limpar essa ferida.

— Vá você. O headset não está preso a esta mesa. Ele funciona tanto aqui quanto no almoxarifado.

— Eu não posso fazer isso sozinha! Pelo menos tente manter o Seu Paulo acordado. Sei lá, dá tapinhas no rosto dele.

— É tentador, mas não, obrigada. Prefiro nem tocar nele.

— Por quê? Qual é o problema?

— Cyberbullying e compaixão não caminham de mãos dadas. Pelo menos, não no meu mundo.

O vlog de Carolina e o feriado antecipado no calçadãoOnde histórias criam vida. Descubra agora