Carolina estava numa saia justa. O temperamento de Dalborga e a aproximação tendenciosa de Alice desencorajaram sua permanência na central de vendas.
De costas apoiadas na divisória, encolhida entre a escrivaninha e a porta do estúdio, ficou segurando a manga de sua camisa. Estava nervosa e ansiosa, sentindo o céu da boca secar.
Preferia lidar com o presente gaúcho em sua mesa, por mais avessa que fosse a isto, do que lidar com os clamores exorcizantes do âncora, ou com o assédio apaixonado da gerente bolsonária. Mesmo que a violência praticada contra o zueiro fosse um deleite à parte, agora já perdera o gosto.
Logo, quando ouviu os gritos assustados de Fernanda, que fizeram-na perceber o desmaio de Cloara, encontrou ali a desculpa perfeita para se retirar. Dando as costas para Alice, deu a volta na escrivaninha e agachou-se atrás da socialite, balançando seus ombros de leve e dizendo próximo a sua orelha:
— Cloara! Ô Cloara!
Insistiu nisso por uns dez segundos, alternando entre balanções e beliscões, sempre a chamando pelo nome. E como ela não reagia, Carolina começou a dar tapinhas em seu rosto, resmungando:
— Acorda, meu! Responde!
Enquanto se ocupava com isto, Fernanda permaneceu ali, ajoelhada e imóvel, amparando o corpo desfalecido de Cloara. Seu cabelo servia-lhe de forro, amassando-se sob a bochecha maquiada da colega.
Fazia isto por força das circunstâncias, não por vontade própria, posto que, de sua parte, já estaria longe da central. Segundo pensava, já atingira sua cota diária de sustos, tendo feito tudo o que podia por seu cliente. Ou, valia ressaltar, tudo o que supunha ser possível a si, como orar suas Ave Marias, pedir a Deus por um milagre e... esperar. Pois chamar ela mesma por uma ambulância estava fora da lista.
Mas Fernanda não estava se preocupando com seu benevolente alheamento. Agora só desejava uma caneca de café expresso, um pacote de proteína de inseto, crocante e açucarada, e vinte minutos de recesso no vestiário. Melhor: se pudesse voltar para casa, sob a autorização de Carlos, aceitaria de coração.
Virando a cabeça, viu Alice se dirigir a Dalborga, que estivera andando em círculos pelo corredor. Não entendeu o que ela lhe disse, porque falara numa voz muito baixa. Mas quando ouviu Dalborga responder, exasperado e impaciente, Que ele vá a merda! Que ele vá pra ponte que caiu!, pensou alarmada:
“Eles não querem chamar uma ambulância. Nem querem prestar os primeiros socorros. Vão deixá-lo aí, jogado no meu setor, sob minha responsabilidade. E eu é que terei de pagar por isto. De fato: todos os que vivem em Cristo Jesus serão perseguidos!”
Envaideceu-se deste martírio fantasioso, delirando com recompensas paradisíacas, enquanto Carolina, falhando em acordar Cloara, e emburrada demais com Fernanda para pedir sua colaboração, retirou o celular do bolso, ordenando-lhe o comando:
— Ligação. Renato Ohara.
O celular exibiu o nome e o número de Renato. Eram escritos na cor branca, alinhados ao centro da tela preta, tendo piscando, abaixo de si, a expressão Chamando...
Do seu alto-falante, veio a voz debochada e confiante do corpulento editor, que dissera zombador:
— Fala marreco. Bateu a saudade?
— Engraçado. Na verdade, você está me fazendo a maior falta aqui. Preciso que venha na central de vendas.
— Claro, majestade. Não tem como recusar o pedido da princesa dos bolsonários.
— Renato, é sério: hoje é um péssimo dia pra brincar comigo assim. Vem logo, tá?!
— Já estou me levantando da cadeira. Mas você ainda está na central? Deveria estar na sala do Carlos.
— Por quê?
— Ele veio te procurar agora mesmo. A Cloara não te avisou? Ela foi aí te buscar.
— Ela está aqui comigo, mas... Hey, o que o Carlos quer comigo?
— Não sei. É a segunda vez que ele te procura hoje. Na primeira, ele fez um escândalo danado, dizendo que você criava problemas para o estúdio, e que você não dava satisfação dos seus atos.
— ...
— Eu nem iria falar nada, mas ele também disse...
— ... que isso acabaria hoje.
— Ora, já te contaram?
— O idiota do César fez questão de jogar na minha cara, lá no térreo.
— Bem, não vou negar: César está no humor para contar notícias ruins. Você não foi a primeira vítima dele.
— Do que está falando?
— Eu te digo depois, no almoço.
— Eu já marquei almoço com o Daniel, mas... tudo bem, pode vir conosco.
— Será uma honra, majestade.
— Pff.
— Mas falando em César: ele está aí? Carlos também quer falar com ele.
— Não está. Mas se são más notícias, faço questão de procurá-lo e dizer eu mesma.
— Na boa?! Espero que não sejam más notícias, porque ele quer falar com você, Cloara e César juntos.
— Vish, sério? Nós três?
— Sim. Por isso mesmo é que Cloara foi te buscar.
— E você sabe do que se trata?
— Não. Na verdade, espero que você me conte depois.
— Hmm, se é que essa conversa vai rolar. Cloara não se reunirá conosco agora.
— Por que não?
Antes de Carolina responder, Renato já tinha chegado à porta, vendo por ele mesmo o que acontecera. Com um sorriso sem graça, empurrando seu Eagle Glass para mais junto do rosto, disse para si num sussurro paciente:
— Oh shit...
* * * *
Novo capítulo dia 10/08, as 00:00, horário de Brasília.
* * * *
Compilação dos capítulos 17 a 33 disponível gratuita no Smashwords e Itunes. Acesse a página do meu perfil para conferir os links.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O vlog de Carolina e o feriado antecipado no calçadão
HumorQuando Carolina se tornou vlogueira, ela ainda acreditava no poder da honestidade. Achava que isto sempre falaria mais alto, independente da situação. Porém, ela acabou subestimando o maior vilão deste país: a agressividade da opinião pública brasil...