No título da notícia, lia-se o seguinte:
Vloguismo tendencioso: estamos regredindo para o Apartheid?
Carolina, atenta ao uso da palavra Apartheid, leu o nome do jornalista responsável pela matéria, que estava escrito abaixo do título: Emílio Florentino.
Então, olhando para Alice com cara de descrente, perguntou:
— Estou com problemas por causa dele? O senhor da tempestade em copo d'água? Por quê?
— Bem, ele não escreveu coisas boas. E isso está se tornando um problema para nós.
— Deixa eu adivinhar: meu nome foi mencionado na matéria.
— Sim, entre outros.
— Posso ler?
— Pegue, fique à vontade.
Carolina tomou o tablet das mãos de Alice e o segurou em posição de retrato. Então, arrastando o dedo sobre sua tela tátil, expandiu a notícia por todo seu comprimento e leu:
O discurso dos Patriotas Bolsonários, grupo extremista reacionário a favor da eugenia no Brasil, ganhou eco entre os comunicadores do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Uma prova indiscutível de que suas ideias são subsidiadas por uma elite sulista preconceituosa, ávida por um ambiente tropical livre de mulatos, caboclos e cafuzos.
Muito já foi dito sobre o assunto, inclusive aqui na Seja. Volto a ele mais uma vez, só para reforçar o que todos já sabem: que o sul está preparando uma guerra civil contra o sudeste e centro-oeste brasileiro.
Como mais uma evidência disso, temos o caso de Carolina Godoy de Vilanova, vlogueira da cidade de Londrina, norte do Paraná. Eis o que ela disse aos seus milhares de internautas, na última segunda-feira:
“Na minha opinião, qualquer casal pode usar engenharia genética em seus embriões, se assim desejarem. Numa democracia, todos são livres para se consultar numa clínica de estética embrionária, como a clínica Batismo de Lázaro.”
Pergunto ao leitor: é paranoia ficar desconfiado do uso da palavra 'democracia' no meio de um discurso pró-eugenia? De minha parte, não é.
Trata-se de algo escancarado, sem noção, como se ela insinuasse haver mérito patriótico na confecção (sim, confecção, igual a um produto industrial!) de filhos loiros, ruivos e, acima de tudo, brancos.
Além disso, notem o destaque dado à clínica Batismo de Lázaro. Quanto eles pagaram para que a vlogueira defendesse suas atividades?
Num discurso imparcial, você não dá nome aos bois. Especialmente quando esse “boi” pertence à área privada.
No momento em que isto é feito, deixa de ser uma opinião e passa a ser propaganda. Uma propaganda que, nos meios de comunicação, jamais é feita de graça.
E o que dizer da grife Narcisa & Brizola, patrocinadora oficial da senhorita Vilanova? Para quem não se lembra, esta rede de vestuário também já expressou favoritismo à elite branca.
Anos atrás, no Shopping Vieira Souto, localizado no bairro carioca Ipanema, houve um incidente que revoltou o Brasil. Clientes fanáticos da Narcisa & Brizola, jovens de classe média apaixonados por moda e estética, jogaram ovos contra um grupo de garotas da periferia, que no momento participavam de um rolezinho.
A agressão foi feita na entrada da loja, enquanto as vítimas observavam uma das vitrines. Os seguranças nada fizeram para impedir a humilhação, e alguns dos funcionários até riram, tirando fotos com seus Eagles de pulso.
Novamente pergunto: é paranoia ficar desconfiado? É paranoia interpretar o uso da palavra 'democracia' como mensagem subliminar? Talvez. Quem sabe? Deixarei os especialistas do ramo confirmarem isto.
Carolina, ainda digerindo o conteúdo da matéria, feito uma general avaliando a extensão do ataque inimigo, resolveu dar pouca relevância ao caso, brincando ao dizer:
— Não é à toa que a Rede Lobo lidera o mercado de novelas. A imaginação dos seus escritores é ilimitada e, sobretudo, infantil. Uma infantilidade compatível com o gosto do brasileiro, infelizmente.
— Como assim? Emílio Florentino escreve para a Seja, não?!
— Sim, mas também escreve para o portal da Rede Lobo.
— Eu não sabia. Só acompanho a Seja.
— São farinha do mesmo saco. Você não está perdendo nada. Mas qual é o verdadeiro problema? Essa matéria afetou a reputação da Landschaft, só porque trabalho aqui?
— Sim. Digo, afetou mais a você do que a nós, pra ser sincera.
Alice tomou o tablet de volta e acessou seu correio eletrônico. Então, clicando na pasta de mensagens recebidas, abriu a primeira da lista, dizendo:
— Leia isto.
Carolina olhou novamente para a tela do tablet, que agora era amparado por Alice. Na área de remetente, podia-se ler:
publicidadeldn@narcisabrizola.com.br
Carolina reconheceu o e-mail. Pertencia ao setor londrinense de comunicação publicitária da rede Narcisa & Brizola. Era por meio dele que se combinavam as propagandas em seu vlog.
Desde que Carolina começou a trabalhar na Landschaft, sempre mantiveram contato direto. Nunca foi necessária a mediação de Alice, Carlos ou de qualquer outra pessoa. O que tivesse para resolver, resolviam entre si.
Desta vez, foi diferente.
* * * *
Novo capítulo dia 06/07, as 22:00, horário de Brasília.
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O vlog de Carolina e o feriado antecipado no calçadão
HumorQuando Carolina se tornou vlogueira, ela ainda acreditava no poder da honestidade. Achava que isto sempre falaria mais alto, independente da situação. Porém, ela acabou subestimando o maior vilão deste país: a agressividade da opinião pública brasil...