31 - A trindade dos tolos

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Alice estava gostando da conversa com Carolina. A história do avô ucraniano era interessante, e a análise sobre a demanda por documentários interativos era admirável. Sua presença tornava a Landschaft um ambiente inovador e estimulante.

Mesmo se sentindo contrariada com sua opinião sobre a Narcisa & Brizola, bem como a afirmação de que ela, Alice, estava sendo conivente em relação à mensagem do e-mail, ainda pensava estar na companhia de uma garota alerta, inteligente e bem cuidada, cujos longos cabelos escuros, caídos sobre os ombros, desenhavam uma face charmosa e invejável, digna de ostentação.

Ou, na opinião de Alice, digna de ser exibida aos outros, como quem diria em soberba satisfação “ela é linda e está dando atenção a mim. Fiquem chupando dedo, porque eu sim tenho liberdade para falar com ela, não vocês.”

Era um dos esportes da sociedade brasileira: competir pelas companhias mais atraentes. Não apenas no amor, mas também nas amizades. Aquele que as conseguisse, deveria declarar sua vitória em espaços públicos, desfilando para cima e para baixo com seus troféus de carne, como se caminhassem entre os corredores de um hospital público, exibindo sua saúde aos enfermos ali internados.

Logo, quando Fernanda chamou por Carolina, interrompendo a conversa das duas, Alice ficou enciumada. Ainda não queria se afastar da vlogueira, e muito menos entregá-la aos cuidados de outra colega de trabalho. Especialmente quando ela, sendo a gerente de RH, trabalhava no escritório do 1° andar, longe do audiovisual, e portanto distante da mesa de Carolina.

Erguendo a sobrancelha, usou de sua autoridade para dizer:

— Ainda estamos conversando, Fernanda. Depois você fala com ela.

Fernanda, na impaciência dos seus 21 anos, não quis esperar. Ficou olhando de Carolina para Alice, empinando o quadril e colocando a mão sobre a cintura, tentando intimidá-las com sua presença, pensando que, desta forma, iria forçá-las a encerrar o diálogo.

Como promotora de publicidade, o RH a tratava igual a uma fachada de loja. Deveria se apresentar bonita e chamativa todos os dias, atendendo ao padrão londrinense de receptividade comercial. Os valores deste padrão eram homogêneos, portanto não poderia ser diferente: Fernanda era loira, alva e esbelta, dona de 92 cm de busto e 104 cm de quadril, parecendo mais uma assistente de palco do que uma atendente.

Pela norma da empresa, era obrigada a vestir uma calça bailarina preta com friso lateral branco, tão escandalosamente reveladora quanto uma pintura corporal. Também vestia uma camiseta baby look azul clara, agarrada ao seu corpo como um político corrupto abraçado ao seu dinheiro desviado, tendo estampada, na altura do peito, o logotipo praiano da Landschaft.

Ficou parada ali, segurando a maçaneta, ouvindo Alice dizer à Carolina:

— De acordo com o artigo da Seja, você defendeu as clínicas de estética embrionária. É verdade?

— Não. Eu só respeitei a decisão de quem se consulta nessas clínicas, dizendo que, num país democrático, todos tem liberdade de se consultarem nelas, se assim desejarem. Não disse nada sobre ser a coisa certa a se fazer, e nem incentivei os internautas a buscarem o serviço. Também não questionei a moralidade do ato, porque eu mesma não tenho opinião formada.

— Então por que mencionou a clínica Batismo de Lázaro?

— Foi só pelo contexto. Eu não comecei a falar sobre estética embrionária assim, do nada. Eu estava respondendo a pergunta de um dos internautas, que queria saber o que eu pensava sobre ter minha foto disponível como modelo na Batismo de Lázaro.

— Bem, parece que você se expressou do jeito errado, pois está causando uma série de maus entendidos.

— Heh, só pode ser piada.

O vlog de Carolina e o feriado antecipado no calçadãoOnde histórias criam vida. Descubra agora