28 - A poupança e o projeto

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Carolina, amargando a pergunta da gerente, deu-lhe um significado mais negativo do que desejava predizer. Lembrou-se de quando César, em nome do seu prazer à tragédia alheia, disse-lhe sobre o aborrecimento de Carlos.

As palavras agora se repetiam em sua memória, pesadas como uma sentença punitiva do STF: Carolina só sabe criar problemas para o estúdio, só sabe chegar atrasada e nem dá satisfação do que está fazendo. Isso acaba hoje.

Embora isso bastasse para lhe preparar para o pior, ela ainda tinha expectativas de, no mínimo, cumprir o expediente daquela sexta-feira. Especialmente após Marcelo e César terem questionado a qualidade dos seus vídeos, chamando atenção para os pixeis na tela.

”Talvez eu não tenha chance de corrigir isto, tal qual pretendia fazer usando o bônus do Seu Osvaldo. Mas, pelo menos, estou prestes a descobrir o que Carlos queria dizer com 'Isso acaba hoje'. É uma ansiedade a menos no meu coração.”

Já selecionando mentalmente alguns estúdios audiovisuais em que pudesse entregar seu currículo, ao mesmo tempo em que mantinha a pose na frente de Alice, continuou falando como se fosse uma conversa despretensiosa, respondendo-lhe:

— Bem, eu tenho dinheiro economizado, mas não é para emergências. É para financiar um projeto particular.

— Jura?

Embora não achasse se tratar de algo sério, Alice ficou curiosa o bastante para perguntar:

— Que projeto?

— Uma redação especializada em produzir jornalismo investigativo.

— Ah, igual o portal Seja, não é?! Que bonitinho.

— Não, Alice. Longe disso. Servirá para ajudar o público a entender melhor o funcionamento do Brasil, e não para agradar aquelas panelinhas elitistas que sempre lamentam terem nascido neste país.

— Do que está falando? Eu leio a Seja e não sou assim.

Foi quando Carolina se lembrou de ver Alice publicando a seguinte mensagem no site Bicadas, durante o feriado de carnaval:

Quero ordem e progresso de verdade, não política assistencialista. Nasci no país errado. #SenadoSuíçoMeRepresenta

Não dando credibilidade à afirmação da gerente, mas também não querendo iniciar com ela uma discussão, evitou de opinar sobre o assunto. Em vez disso, resolveu corrigi-la ainda mais dizendo:

— De qualquer forma, também não pretendo criar um portal de notícias.

— Hmm, então será um estúdio de jornalismo comunitário? Igual ao que fazemos aqui?

— Não. Foi como eu disse: é para produzir jornalismo investigativo, não comunitário. O conteúdo tratará de política, economia e problemas sociais, não de batidas policiais, acidentes de carro e eventos festivos ocorrendo no Parque Emam.

— Entendi. Pensando bem, combina com você. Não é diferente do que faz no seu vlog.

— É quase igual. Mas será apresentado em forma de documentário interativo, não de vídeo.

— Documentário interativo? Mas isso é jogo para óculos de realidade virtual. Só game designers fazem estas coisas. Você não disse que vai montar uma redação jornalística?

— Sim, isso mesmo. E você tem razão: documentários interativos são feitos por game designers. Mas eles se baseiam em matérias investigativas para fazer os cenários. Matérias feitas por pesquisadores e jornalistas, não pela equipe de game design.

— Então você pretende oferecer serviços de jornalismo investigativo para game designers, para que possam produzir documentários interativos?

— Sim. De uns anos pra cá, as escolas de Londrina adotaram o método de ensino Nicolelis. Com ele, os professores dão ênfase no aprendizado por associação prática, usando óculos de realidade virtual para simular cenários históricos, geográficos e sociológicos.

— ...

— Por causa disso, a demanda por documentários interativos cresceu bastante por aqui. Em especial os que retratam a história e problemas sociais de Londrina. Como a cidade não tem redações jornalísticas dedicadas a esse mercado, a carência é muito grande. Eu pretendo preencher a lacuna com meu projeto.

Alice ficou surpresa. Não esperava que Carolina fosse tão bem informada, e tão capaz de planejar à frente.

Desde que ela começou a trabalhar como vlogueira na Landschaft, três meses atrás, Alice nunca a vira como empreendedora. Por causa de sua popularidade precoce com o público universitário, imaginava se tratar de uma garota convencida, mimada e sem perspectivas, igual a uma jovem ganhadora de reality-show, do tipo que tentava se aproveitar dos seus quinze minutos de fama, ou de sua boa aparência.

Não era assim. Pelo que percebeu, havia nela muito bom senso, integridade e visão realista. Era diferente das celebridades teens das redes sociais.

Daquele momento em diante, Alice começou a admirá-la, sentindo-se até lisonjeada pela oportunidade de ambas estarem ali, conversando frente a frente.

Já Carolina, ainda esperando ouvir um “você está demitida”, quis retomar o assunto anterior, dizendo:

— É o que pretendo fazer com minhas economias. Mas agora você vem me perguntar se estou preparada para emergências. Minha resposta é: mesmo não querendo, posso usar esse dinheiro para emergências. Então me diga: por que quer saber isso?

Alice, acionando a tela do tablet, abriu o navegador de internet e acessou o portal da Seja. Então, com a caneta digital, apontou para uma das notícias da página principal, dizendo:

— Por causa disto.

* * * *

Novo capítulo dia 05/07, as 22:00, horário de Brasília.

O vlog de Carolina e o feriado antecipado no calçadãoOnde histórias criam vida. Descubra agora