14 - Essa honra, ninguém merece

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Para Carolina, o nome Cowboy Recauchutado soou familiar. Sabia que era um clube, como o próprio título já indicava, e também desconfiava se tratar de uma rede social fechada, na qual só admitiam internautas aprovados pelo administrador. Um exclusivismo comum aos dizimistas da igreja evangélica, ávidos por um círculo social presumidamente abençoado, livre de pecados e cheio da graça divina.

Decidida a ler o conteúdo, Carolina quis perguntar a Daniel, antes de mais nada, se ele conhecia algum clube evangélico com aquele nome. Pois mesmo parecendo legítima, a mensagem também se assemelhava a um spam. E com a polêmica provocada no vlog anterior, precaver-se era obrigatório.

Porém, como Daniel se ocupou com o assunto do sindicato, ditando mensagens de texto para sabe-se lá quem, Carolina resolveu se informar sozinha. Ainda conectada à wi-fi da imobiliária, abriu seu navegador e digitou o termo cowboy recauchutado no prompt de pesquisa.

O navegador encontrou mais de cem mil resultados, entre os quais se destacavam postagens em blogs de humor, matérias em colunas sociais e... casos arquivados de calúnia e difamação.

Isso bastou para afogar Carolina numa pia de má vontade, pensando:

"Um clube envolvido em comédia, exibicionismo público e injúria pessoal? Não parece pertencer aos evangélicos, e sim ao cenário stand-up da capital paulista. Devo admitir: depois daquele vlog, fiquei igual à Praça dos Viajantes. Só atraio gente inconveniente."

O primeiro link direcionava ao site oficial. Abaixo dele, havia uma breve descrição do seu conteúdo, na qual lia-se o seguinte:

Clube privado para homens.

Antes mesmo de terminar, Carolina já se ofendeu, pensando:

"Privado para homens? Então por que me deram as boas-vindas? Ora, não tenho mandioca!"

Bufando de raiva, continuou lendo:

Encontre aqui sua pônei de raça. Nada de mulas ou zebras. Nossa cavalariça é de puro sangue, não de pangaré. Detalhe: temos cotas para transexuais.

Carolina não precisou entrar no site. Para ela, a descrição falava por si só. Pônei, mulas e zebras: conhecia muito bem o contexto destas palavras. Era como os senhores acima de 80 anos se referiam às mulheres mais jovens. Senhores que, em sua juventude, frequentavam baladas de sertanejo universitário.

Pônei era equivalente a novinha e bonitinha. Mula queria dizer desatenciosa, ou mulher que não entende os sinais da paquera. Já zebra significava problemática, seja por causa de um ex-namorado ciumento, seja por causa da própria personalidade.

Tomada de um mau pressentimento, Carolina voltou à caixa postal e finalmente abriu a mensagem, lendo o seguinte texto:

Olá, Carolina Godoy de Vilanova. O usuário Procriador_Veterano adicionou seu perfil a nossa rede, por meio de sua conta no Bicadas. Sua beleza feminina foi submetida à apreciação de todos os nossos garanhões, e ficará disponível para avaliações, críticas, sugestões e recomendações.

Havendo interesse em amizade colorida, paquera descompromissada ou romance sério, iremos notificá-la. Desde já te felicitamos por seu apuro à boa forma, colírio aos olhos dos nossos viris procriadores, e te damos as boas-vindas ao clube seleto dos cowboys recauchutados!!

Carolina clicou no nome Procriador_Veterano. O celular, em resposta, exibiu uma lista de comandos, dentre os quais havia Copiar, Pesquisar e Rastrear. Ela escolheu Rastrear.

A ferramenta de rastreamento mostrou o mapa do Brasil, com uma bola azul piscando sobre o Estado do Paraná, identificando a posição de Carolina. Desta bola se emitia uma onda de sonar, que tentava localizar o aparelho do usuário Procriador_Veterano, através do seu número de IP.

Após vasculhar o Brasil inteiro, a ferramenta aumentou o zoom no mapa do Paraná, focando na cidade de Londrina, até chegar no Parque Emam. A bola azul de Carolina ainda era visível, piscando à margem da rua Niemeyer.

Mas então, ao lado dela, apareceu uma bola vermelha, acompanhada do texto:

Usuário Procriador_Veterano encontra-se a 5 metros de distância, na rua Niemeyer, Parque Emam, Londrina/PR.

Primeiro Carolina olhou para Daniel.

"Não pode ser ele. Esteve conversando comigo o tempo todo, e agora está ditando uma mensagem de texto."

Depois olhou para o elevador dos funcionários. Não havia ninguém lá. Então tentou o elevador dos clientes. Igualmente vazio.

Foi quando ela olhou, apreensiva, para o balcão do próprio porteiro.

O vlog de Carolina e o feriado antecipado no calçadãoOnde histórias criam vida. Descubra agora