48 - Vulnerável

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Fernanda olhou para o celular, fazendo cair uma mecha loira sobre a bochecha. Tentou ler os banners, cujas sílabas se movimentavam da direita para a esquerda, alternando entre o nome do produto, o preço à vista e os benefícios concedidos ao comprador.

Porém, como não conseguiu enxergar o que diziam, piscou os olhos para Carolina, sem saber do que ela falava.

Carolina bateu o dedo na tela, chamando atenção novamente para os banners.

— Se as pessoas não gostam de estética embrionária, as grandes empresas não vão contrariá-las. Afinal, são seus clientes. E se as empresas apoiarem a opinião do povo, nenhum portal de notícias irá se opor, já que estas empresas o financia. Logo, no que diz respeito às clínicas embrionárias, nenhum jornalista será favorável ou neutro. Pois, se fizerem o contrário, não só ofenderão o povo, como também aborrecerão seus patrocinadores.

Deslizando o dedo sobre a tela, Carolina acessou o artigo de Emílio Florentino. O mesmo mostrado a ela por Alice, lá no corredor dos funcionários.

Indicando para Fernanda o título Vloguismo tendencioso: estamos regredindo para o Apartheid?, disse:

— É exatamente o que a Rede Lobo e a Seja estão fazendo: me chamando de preconceituosa de propósito. Só para agradar a opinião pública, e também para agradar, em seguida, os patrocinadores.

— Carolina, eu não quero saber dessas coisas. No final das contas, a verdade é uma só: você irritou a Narcisa & Brizola, a maior cliente que nós tínhamos. Apenas me diga se irá pedir desculpas.

Carolina sentiu o peito queimar. Lembrou-se da mansidão de Fernanda outra vez. Guardando o celular no bolso, colocou a mão na cintura e a encarou, dizendo:

— Pedir desculpas pelo quê? Pelo respeito à liberdade de escolha? Uma liberdade garantida pela constituição?

— Não. Pela ousadia em falar o que ninguém queria ouvir.

— Isso é sério, Fernanda?!

— Pareço estar brincando? Olha na minha cara e me diga se estou brincando! Quem precisará correr atrás de novos patrocinadores, se a Narcisa & Brizola não voltar para nós?

— Me poupa! Não se faça de mártir! Eu saí perdendo tanto quanto você! Ou pensa que meu pagamento será igual ao do mês passado? Eu vou receber muito menos!

— É só pedir desculpas em público e... sei lá, comer acarajé na frente das câmeras. Daí todos irão te perdoar!

Carolina deu um passo adiante, ficando cada vez mais irada.

— Até parece. Que humilhação! Desde quando virei uma celebridade polêmica? Do tipo que tenta mostrar seu lado humano a um programa de auditório?

Fernanda não se intimidou. Manteve-se firme em seu lugar, devolvendo no mesmo tom:

— Desde que abriu essa bocona pra irritar meio mundo!

— Eu quero mais que esse meio mundo se exploda! Bando de gente sensível que não sabe conversar! Povo mimado, mal resolvido e inseguro que berra racismo a troco de nada! O que os bolsonários tem de herança nazista, o brasileiro tem de coitadismo!

— Tsc, você...!

Fernanda emudeceu, virando o rosto para a escrivaninha. Mostrou-se cautelosa, enquanto Carolina fechava o punho, vertendo fogo pelos olhos.

Você o quê?

— ...

— Fala!

— Carlos está certo. Você traz problemas para o estúdio!

Foi quando Carolina ofegou, pega pelo calcanhar.

Relaxou os punhos, virando os olhos para o chão, pensando:

“Eu sei que estou trazendo problemas para vocês. Não precisa jogar na minha cara.”

Então cruzou os braços, como se abraçasse a si mesma. Ficou magoada.

Seu vlog, motivo de orgulho pessoal, estava custando caro à imobiliária. A polêmica, ao que parecia, prolongaria-se por mais um tempo, talvez ganhando maior destaque nos noticiários.

A desistência de outros patrocinadores era quase garantida. Uma desistência amarga e desanimadora, que dificultaria a interação de Carolina com Renato, Dalborga e Valéria, ao longo de todo o expediente.

“Mal se passaram três meses e já estou atrapalhando a todos. Poxa, acham que eu queria isso? Claro que não!”

Sentiu a garganta apertar, enquanto ouviu Fernanda lhe dizer, ainda implacável:

— Onde você pretende chegar, agindo desse jeito? Por quanto tempo acha que te aguentarão aqui, se não mudar de atitude?

Carolina reuniu suas forças, voltando a encará-la.

— E por que eu mudaria? Por que trocar minha coerência e honestidade por pão e circo, se não foi isto que me trouxe aqui?

— Porque no mundo publicitário, você não faz o que quer! Você fica de pernas abertas e deixa os clientes fazerem uma Sodoma e Gomorra em você!

Agora foi Fernanda quem deu um passo adiante, ostentando-se de peito empinado.

— Afinal, é isso que você pensa de mim, não é?! Que sou uma libertina! Uma meretriz de corpo e alma, deitando e rolando com todos os Judás do bairro, só pra vender publicidade!

— Não. Acho que você é uma coitada! Uma submissa às merdas do empresariado londrinense, feito uma porca se rastejando por lavagem!

Foi a gota d'água. Fernanda ardeu em ódio, esbofeteando Carolina com toda a força, quase a derrubando no chão. O estalo ecoou pela central, fazendo o coração de Valéria pular.

* * * *

Como estou experimentando a nova técnica narrativa, o próximo capítulo será publicado no dia 31/08, as 00:00, horário de Brasília. Esforços estão sendo feitos para oferecer uma experiência de leitura cada vez melhor.

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Compilação dos capítulos 17 a 33 disponível gratuita no Smashwords, Itunes, Kobo e Barnes & Noble. Acesse a página do meu perfil para conferir os links.

O vlog de Carolina e o feriado antecipado no calçadãoOnde histórias criam vida. Descubra agora