Capítulo 38

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Felipe narrando

Eu estava uma pilha. Não só pelo fato da guerra em si, mas porque não quero ter o fim que nem o de meu pai. Não quero e não vou ter. Eu estou aqui para honrar o que meu pai construiu.

Me irritava muito pensar que aquele desgraçado sem escrúpulos do Galego era meu "primo". Ele é igualzinho a meu falecido tio, de fato eu sei que por meu tio ser o irmão mais velho ele deveria ser o dono do Vidigal mas infelizmente por atitudes erradas dele isso não aconteceu. Deve ser por isso Que Galego me odeia, mas eu nunca fui culpado de absolutamente nada.

- Não fica assim, você sabe que nós vamos conseguir. - PL falou.

- Eu estou desanimado. - falei impaciente rodando de um lado para o outro da sala.

- Sei disso, mas pensa que agora você vai ter um filho. Uma razão mais forte ainda para lutar.

- E vou. Vou lutar pelo meu morro! - disse decidido.

PL era sempre quem me dava força. Ele é filho da minha tia também irmã de meu pai.

O dia foi passando devagar. Eu ouvia uma música que passava no rádio, minha mente estava longe do meu físico.
Era uma música em inglês, eu não estava entendendo porra nenhuma, mas estava me deixando na bad, pois a melodia daquela música era extremamente triste.

Eu e os moleques estávamos tentando bolar uma estratégia caso fôssemos atacados. Não sabemos o próximo passo de Caveira, por isso temos que estar preparados.

- Pô, tira essa música aí.- Menor falou.

- Tira nada. - falei emburrado.

- Tá desconcentrando nós.

- Está me acalmando, deixa a porra aí.

- Virou viado. - PL falou.

- E desde quando quem ouve música inglês seus retardados mentais? - revirei os olhos. - Falta de cultura.

- Chefe, cê ta tirando com nós. Só porque a gente não estudou. - Menor falou.

Revirei os olhos e voltei a prestar atenção no plano. Daria tudo para saber o que meu inimigo pretendia, mas é impossível. Ele vai atacar, só náo sei como e quando.

Estava esgotado. Então deixei os meninos tomando conta das vendas e de tudo. Não sei se agradeço por cada dia vender mais droga, ou me lamento por cada dia ter mais gente viciado nessa merda.

Eu uso as vezes, mas não sou um viciado. Nós traficantes( pelo menos a maioria que conheço), tomamos muito cuidado com isso. A droga só faz você perder tudo e cometer merdas. Lembro- me que no dia que abusei da maconha, tratei Manuela muito mal.

Cumprimentei os vapores que ficam na contenção da minha casa, eles estavam jogando dominó.

- Podem jogar seu bagulho,ma prestem atenção. Vocês sabem que estamos ameaçados pelo inimigo.

- Polícia chefe? - Um vapor de aproximadamente uns 17 anos falou.

- Não, antes fosse, polícia afronta a gente e quando vê que tá foda, desiste fácil por um tempo. Já quem quer tomar meu morro não. - falei despejando ódio nas palavras.

Adentrei em casa. Minha cabeça explodindo, resultado do estresse...

- Lipe. - Manu apareceu. Linda, cabelos presos num coque bagunçado, um pijama de moletom largado, e a barriga com uma forma linda. - Tudo bem?

- Tudo loirinha. - dei um selinho nela. - Eu vou tomar um banho.

Ela assentiu. Ela não estava feliz com isso. Sabia que eu estava mal, queria mas não podia me ajudar. Manuela precisava de atenção, de carinho e eu tão atordoado com meus problemas, não conseguia..

Entrei no nosso quarto de casal. Tomei um banho demorado, senti as lágrimas descendo, me senti um merda, eu não queria estar chorando, não mesmo. Me sinto um fraco. Lembro de perder primeiro minha mãe, depois meu pai, lembro de ter estudado nas melhores escolas e ser discriminado só por ser negro e por ser da favela. Lembro do quanto meu pai falava que eu seria um médico, um farmacêutico, ou talvez um psicólogo.

Mas eu me tornei o que sou!
Um traficante, dono de morro, que vai ter um filho e pretende se casar com uma patricinha, tem uma irmã adolescente que só pensa em dar pros caras. Difícil.

É meu caro, a vida está longe de ser perfeita. Na minha vida depois de perder meus pais,eu só fiz merda. Pensava que beber, ir para festas, desistir da faculdade era a melhor coisa a se fazer para descontar meu ódio.

No fundo ainda tenho o desejo de ser um homem respeitado, um negro que conclui sua faculdade e dá na cara da sociedade, mas não...
Sou só um negro traficante, bandido de merda que ganha milhões destruindo vida de gente.

Era isso que você queria pra droga da sua vida Felipe?

Tenho orgulho dos meus pais, do morro, dos meus dreads recém colocados, da minha cor...
Só não tenho orgulho do honem que me tornei.

- Lipe. - ouvi a porta se abrir e a voz doce ecoar no quarto. - Te atrapalhei? - Oh meu bem, você nunca me atrapalha, amo o jeitinho dela, o sorriso, o jeito que ela fala.

Mas a única coisa que conseguia dizer. Era que não, que ela não me atrapalha. É eu sou péssimo em demonstrar sentimentos.

- Não Manu. - sorri fraco.

- Você está bem? - Pareceu preocupada.

- Estou. Só estava pensando. Mas tirando isso está tudo bem. - me levantei e agarrei sua cintura colando nossos lábios por alguns segundos. - Como esta nosso filho?

- Creio que bem. Mexeu o dia todinho. - sorriu.

- Me desculpa. Não poder ter ido na consulta de hoje, perdão mesmo. - me sentia culpado por não dar atenção a essa menina que virou minha mulher. - Mas na próxima consulta eu juro que vou.

- Não tem problemas... Sua irmã me acompanhou. Nessa próxima consulta vamos descobrir o sexo.

- Até que enfim! - dei um sorriso

- Você tá estranho.

- Como assim? - questionei.

- Não está mais falando gírias.

- Ah. - ri. - Eu só falo gírias para parecer mais com um bandido, porque eu estudei para saber diferenciar "mas" de "mais".

- Sabe eu não tenho o direito de me intrometer em tua vida mas...
- Claro que você tem o direito, você é minha mulher. Pode falar.

- Você deveria estudar. Ter um futuro.

- Também achava isso mas,no futuro a gente pensa depois.

Abraço ela, e dormimos juntinhos. Ela com a cabeça sobre meu peito, e eu acariciando os cabelos macios e sedosos que ela tinha..

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