Não vai me convidar para entrar?

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  Aleluia! O trânsito nesta cidade é um caos todos os dias, mas parece que quando estou com pressa para chegar em casa, piora duzentas vezes mais. Desci do ônibus correndo, Lauren e eu mal passamos tempo juntas essa semana e, justo na nossa noite de namorar, tudo parece conspirar para que eu me atrase o máximo possível.

Andava apressada pela calçada, já estava no quarteirão do prédio quando fui parada:

-Moça, vem aqui um minutinho. – Me virei na direção da voz e observei intrigada a figura peculiar que sorria largamente. Era uma mulher baixinha, usando roupas e acessórios de cigana e sentada em uma cadeira de praia atrás de uma barraquinha improvisada de papelão. Seus traços me pareciam familiares, mas descartei a hipótese de conhece-la devido ao seu volumoso bigode. Se eu conhecesse uma mulher de bigode, certamente me lembraria. – Se aproxime, querida. Não fique acanhada.

-Te dou dois dólares para me deixar tocar seu bigode. – Ofereci esperançosa. Parecia tão macio, queria muito botar o dedo ali.

-Hoje é seu dia de sorte! – Se levantou empolgada. – Por apenas cinquenta dólares, te faço o pacote completo: leitura de mão, amuleto de bom agouro e sarrada no bigode. Geralmente sai por cem, mas como você é gente boa, te faço essa promoção.

-Por que ali na plaquinha está escrito vinte? – Apontei.

-Aquele preço não inclui a sarrada no bigode.

-Ah não! Só tenho trinta e cinco. – Lamentei.

-Fechado! – Me senti muito esperta nesse momento. Era mentira, eu tinha quarenta!

-E como vou saber que não está me falando mentiras? – Perguntei desconfiada.

-Sou de uma linhagem antiga e muito poderosa de ciganas. Eu não erro, minha querida, olhe a placa.

Olhei para onde ela indicava e lá estava escrito:

Madame Allysandra. De uma linhagem antiga e muito poderosa de ciganas. Não erra.

-Então prove. Adivinhe algo sobre mim. – Cruzei os braços.

-Você é do signo de peixes.

-Não.

-Sagi- – Apertei os olhos. – Gêmeos?

-Sim! – Abri a boca, incrédula por ela ter acertado. – Como sabe?

-A madame Allysandra tudo sabe. – Disse misteriosamente. – Você tem o histórico de ser enganada na rua, estou correta?

-Sim! Direto me fazem de otária!

-Me dê sua mão. – Fiz isso. – Hum.. – Ela fechou os olhos, se concentrando. Começou a tatear minha mão, quando passou seus dedos pelo meu dedo anelar, se contorceu toda. – Tive uma revelação. – Fiquei em expectativa. – Você namora!

-Sim! Eu namoro! – Meu deus, ela está acertando tudo!

-Tem mais. – Analisou atentamente minhas unhas curtas. – Você é lésbica. – Assenti freneticamente com a cabeça. – E isso vem desde quando você era pequena. – Olhava para ela em total espanto. – Sua série favorita na adolescência era The L Word e você já teve pensamentos impróprios com o Rodrigo Santoro no filme 300!

-Sim, tudo isso é verdade! – Segurei nas duas mãos da sábia madame Allysandra, suplicando com o olhar. – Por favor, madame, me responda: o que vê no meu futuro?

-Hum.. – Fechou os olhos de novo, murmurando coisas inaudíveis por um tempo, até que em um estalo os abriu, me olhando seriamente. – Escute com atenção, querida. Eles me mandaram te dizer uma recitação.

Tongue TiedOnde histórias criam vida. Descubra agora