-Camila, sinto que você está me enrolando. – Simon comentou bem-humorado.
-O que? Claro que não! – Neguei tentando soar ofendida, embora sua constatação fosse verídica. De fato eu estava o enrolando, mas não é como se eu fosse admitir isso para ele. Com um suspiro dramático, troquei o celular de orelha antes de voltar a falar. – Olha, prometo que dessa semana não passa, ok? É que a Lauren estava viajando e ainda não tive a oportunidade de falar com ela. – Menti. – Desculpa, não posso tomar essa decisão sozinha.
-Entendo. – A pontinha de ironia em sua voz me dizia que ele não ficou convencido. – Espero o seu retorno então, Camila. Até logo.
-Até. – E a chamada foi encerrada.
Joguei o aparelho na mesinha de centro e me deixei cair para trás, afundando as costas na almofada macia do sofá. Me sentindo frustrada comigo mesma, tirei os óculos e cobri os olhos com o braço.
Mais uma vez, não consegui lhe informar meu não.
Eu refleti muito, muito mesmo, e cheguei a conclusão que devo recusar a proposta de participar da série. Decidi isso depois de analisar repetidamente durante a última semana o material que me foi enviado com o conteúdo já pronto e não conseguir enxergar uma forma de colocar minha alma naquilo.
Primeiro, devo confessar que, como fã, tenho me decepcionado muito com Simon. O cara foi um dos meus ídolos durante toda a adolescência e alguém que me inspirou como profissional. É difícil ver o cineastra visionário que revolucionou o conceito de cinema nos anos 90 no produtor desinteressado para quem tenho trabalhado. Há alguns anos suas obras têm sido um sucesso com o público, mas um fracasso para a crítica especializada. Não sou daquelas que dá muito importância para a opinião dos críticos, um projeto audiovisual deve acima de tudo servir como entretenimento, logo, se o telespectador gostou e terminou satisfeito, a maior parte da missão foi cumprida. Porém, quando você entende de determinado assunto, você é mais critico e exigente em relação a ele. Uso como exemplo disso uma lista enorme de atrizes que amo mas sei que não atuam bem. No caso do Simon da última década, o problema é difícil de ignorar, já que se trata de falta de originalidade.
Resumindo, ele vem basicamente produzindo mais do mesmo. Para quem acompanha seu trabalho, a impressão é de estar assistindo repetidamente uma reciclagem, onde a única coisa que muda é o enredo e os personagens. Seu nome está envolvido em dezenas de filmes e séries, porém, não o vejo se preocupando com a qualidade, só com o potencial de venda.
Apesar da gratidão por ele estar me ajudando com a minha carreira, sei que não o faz por bondade de seu coração. Simon tem vários outros 'pupilos', e agora percebo qual a vantagem disso. Diferente do que eu pensava até pouco tempo atrás, sua criatividade não é infinita. Ele só inicia os roteiros, depois os entrega para um grupo de pessoas, aprova e desaprova o que entra e no final leva quase todo o crédito.
E pelo que li, a nova série não vai ser diferente, seguindo o mesmo caminho de seus projetos anteriores: um enredo interessante, que desperta a curiosidade de quem assiste, mas trabalhado em cima da mesma fórmula batida.
Não que seja um demérito trabalhar em cima do comum, até porquê, toda forma de expressão é valida e é perfeitamente possível construir algo incrível com o simples. O meu problema em participar não é esse.
Acontece que durante a faculdade, encontrei a minha identidade como artista; descobri o que quero mostrar e ao que quero ter minha imagem associada. E, definitivamente, um projeto movido única e exclusivamente por grana e audiência vai contra tudo que acredito.
Aceitar o convite de Simon, para mim, seria o mesmo que prostituir minhas ideias e pisar nos meus princípios.
Então, se estou tão decidida, por que é tão difícil dizer não logo?
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Tongue Tied
Romance''Os homens perdem a saúde para juntar dinheiro, depois perdem o dinheiro para recuperar a saúde. E por pensarem ansiosamente no futuro esquecem do presente de forma que acabam por não viver nem no presente nem no futuro. E vivem como se nunca fo...