O meu lugar no mundo

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  Do banco de trás do carro, eu aguardava ansiosa enquanto Harry terminava de fechar o porta-malas e ajeitar minha mochila nas costas. Tanto que minhas pernas até já estavam pra fora para facilitar o trabalho. O mais velho foi até o banco do passageiro, pegou as muletas e as analisou por um instante antes de finalmente se virar para mim e sorrir animado.

-Pronta?

-Pronta!

-Certo. – Passou as duas muletas para uma mão só e se aproximou, enlaçando com cuidado a minha cintura. – Mila, abraça meu pescoço. – Fiz o que ele me pediu da forma que pude. – Vou contar até três e te puxar para cima, ai você se prepara para apoiar o peso na perna boa, ok?

-Ok.

-E para de cheirar meu cangote, já disse que você não faz meu tipo.

-Nem você o meu. Aliás, que nojo! – Rio. – E cala a boca que eu não tô cheirando nada!

-Aham, vou fingir que acredito. Vamos lá, no três! Um, dois, e... vai!

Em um impulso forte e com alguma ajuda da minha parte, conseguiu me colocar de pé. Ele segurou todo o meu peso até que eu sentisse segurança na perna, só então se desvencilhou minimamente e, ainda me prendendo pela cintura, fez um malabarismo para me entregar uma das muletas.

Já apoiada firmemente pela muleta de um lado, por Harry do outro e segura de que não acabaria de me esborrachar, me permiti olhar para frente e admirar a entrada do prédio. Puta merda, que saudades dessa porra!

-Ai, graças a deus! – Comemoro aliviada e contente da vida. Depois de sete longos dias no hospital, tudo o que eu quero é a minha casinha.

-Feliz, Mila?

-Você nem imagina o quanto! Cara, é sério, eu não estava aguentando mais aquele lugar.

-Percebi. Você tava chata para caralho. – Alfinetou enquanto me auxiliava para começarmos a andar.

-Ah, me desculpa sobre isso. – Peço entre um suspiro. – Sei que fui grossa algumas vezes, mas juro que não fiz de proposito.

-Eu sei, relaxa. Deve ser uma merda sentir dor, sono e tédio o dia inteiro, entendo o seu mau-humor. Agora, com a Lauren, eu acho que você devia se desculpar sim.

-Eu não, ela tá errada!

-Discordo. – Meu queixo cai e eu o encaro, totalmente desacreditada.

-Ata, agora você acha certo ela ficar me escondendo as coisas? Fala sério!

Ontem Lauren e eu tivemos uma discussão e estamos brigadas desde então. Ela foi embora do hospital com raiva e nem se deu ao trabalho de vir trazer para casa. Estupida! Tudo começou quando eu quis saber o quão caro o acidente tinha custado e ela tentou adiar a conversa. Fico puta com isso! Sei que a sua intenção era me poupar do estresse, mas poxa, somos companheiras, eu já estava me sentindo uma inútil naquela cama e ser tratada assim só piorou o sentimento.

O que era para ser uma conversa séria acabou evoluindo para uma briga, não sei quando, só sei que quando vi já estávamos gritando e jogando coisas de 2018 uma na cara da outra.

-Camila, pelo amor de deus, seja racional! A Lauren só falou que o ambiente não era apropriado e pediu para que vocês deixassem para conversar em casa. Desde quando isso é esconder? E não esqueça que você sofre de ansiedade e estava lerda por causa dos medicamentos, saber no hospital ou deixar para saber em casa não mudaria nada, agora, que bem faria para sua recuperação te deixar preocupada e ansiosa?

-Mais do que eu já estou? Duvido que pudesse. – Teimo. – Harry, eu não sou ingenua, sei que foi bem ruim.

-Bom, eu não vou falar mais nada, vocês que conversem e se entendam sozinhas.

Tongue TiedOnde histórias criam vida. Descubra agora