Eu tentava fingir que estava interessada na conversa, mas sendo honesta, rodar o vinho dentro da taça parecia muito mais interessante. Não queria ter pedido vinho, assim como gostaria de estar em outro lugar, e talvez, esse seja o exemplo perfeito de como as coisas tem funcionado na minha vida. Assisto tudo acontecer como uma expectadora; a maré toca e eu vou, incapaz de tomar uma atitude ou lutar contra. Me sinto desanimada, desacreditada e sem reação. Só sigo indo, sabe? Depois de tudo, parece o certo a se fazer.
Do outro lado da mesa do chiquérrimo restaurante francês, o homem tentava nos convencer das mudanças que queria que fizéssemos no roteiro. Convencer entre muitas aspas. Se ele quiser mesmo que essas mudanças sejam feitas, elas serão feitas. O mais forte domina, já aprendi que essa é a lei da vida. Ao seu lado, o outro representante da produtora apenas complementava vez ou outra o que seu colega dizia.
-Não. Absolutamente não. – Troye interrompe com firmeza, finalmente trazendo minha atenção de volta. – Frank, o filme tem a intenção de ser critico e retratar a realidade. Suavizar as cenas em questão alteraria completamente a essência.
-Eu entendo seu ponto de vista, mas veja bem, mantê-las como estão significa o aumento da classificação indicativa.
-E qual o problema? O importante é que fique bom e seja atrativo para o nosso público alvo.
-O problema é que estaremos perdendo publico nas salas de cinema, logo, dinheiro. Não estou pedindo para que as exclua, apenas para que as deixe menos impactantes.
Troye me encara, esperando que eu exponha minha opinião. Convenientemente, meu celular começa a tocar, e com um sorriso sem graça, me levanto e vou até o jardim para atender.
-Oi, Lauren.
-Onde você está?
-Em uma reunião, por quê?
-Bom, você disse que voltaria mais cedo para casa hoje, fiquei te esperando.
Suspiro frustrada e aperto os olhos com força, cobrindo o rosto com a mão em uma tentativa de esconder uma vergonha que ela nem podia ver.
-Amor, sinto muito... Eles ligaram de última hora, me esqueci complemente de te avisar. – A linha fica muda por alguns instantes.
-Hum, tudo bem então. Vai demorar muito ai ainda?
-Não sei dizer. – Dou a resposta sincera. – Estamos tentando resolver uns problemas, é-
-Importante. – Completa por mim. – Eu sei. – Suspira em desanimo. – Ok, te vejo mais tarde. Ou não vejo, sei lá. Boa reunião.
Depois que a chamada foi encerrada, ainda fiquei parada por um tempo, encarando o céu estrelado e me perguntando como pude deixar as coisas chegarem a esse ponto. Voltei para mesa e participei do resto da conversa no modo automático. Isso tem se tornado um hábito para mim e fico cada vez melhor, tanto que nem mesmo o olhar fulminante de Troye na minha direção surtiu algum efeito, continuei plena no meu estado 'foda-se tudo'. Quando a reunião acabou, Troye e eu seguimos para o estacionamento no mais absoluto silencio. Ele estava claramente irritadíssimo comigo, mas esperou até que entrássemos no carro para, em um tom estranhamente calmo, questionar:
-Certo, o que porra foi aquilo?
-Aquilo o que? – Enfio a chave na ignição, mas o mais velho logo tira, guardando-a no bolso.
-Deixa eu refazer minha pergunta. O que porra TEM SIDO aquilo? – Deixo os ombros caírem em derrota, sabendo muito bem ao que ele se referia. – Camila, o seu roteiro é genial e esses filhos da puta querem mexer na parte mais importante. Por que diabos você está apenas sorrindo e acenando? Era pra você estar puta! – Gesticula exaltado e, quando apenas abaixo a cabeça, ele pega meus ombros e me sacode com certa violência. – Reage, porra! O que você tem? Ouviu o que eu disse?
VOCÊ ESTÁ LENDO
Tongue Tied
Romance''Os homens perdem a saúde para juntar dinheiro, depois perdem o dinheiro para recuperar a saúde. E por pensarem ansiosamente no futuro esquecem do presente de forma que acabam por não viver nem no presente nem no futuro. E vivem como se nunca fo...