Tongue Tied

Fazer valer a pena - Parte 1

  Pelas brechas da cortina, era possível ver o cinzento céu nublado do lado de fora. A visão completa era impedida pelos enormes arranha-céus e pela moldura da janela, ainda assim, eu podia enxergar vários pontos onde os raios do sol perfuravam as nuvens e alcançavam as construções de pedra. O clima apenas estava fechado, não existia nenhum indicio da minha tão amada chuva. Não sei dizer exatamente o porquê, mas desde criança decidi que este é o meu tempo menos preferido. Sei lá, acho que tempos híbridos, em geral, me irritam. É como se eles não fossem suficientemente uma coisa e nem outra, e uma vez que o meu humor varia de acordo com o clima, não sei como me sentir direito. Na verdade, mal sei que roupa colocar para sair na rua, então considero o problema mais grave do que parece.

Em compensação, o quarto tinha cheiro de café fresco, torta de amora e conforto. Estava quente, mas estava quente muito mais dentro de mim do que propriamente no quarto. Isso é mais um fato do que apenas uma sensação, já que eu podia sentir os pelos dos meus braços arrepiados de frio.

-Ei, no que você está pensando? – Aquela voz rouca chama minha atenção, mas permaneço de costas quando respondo:

-Acho que sou meio viciada em drama. – Suspiro, em seguida, faço uma pausa antes de continuar. –

Estive reparando melhor esses dias e percebi que vivo vendo metáforas e cenas dramáticas em potencial em tudo. Agora mesmo, por exemplo, estou criando um paralelo entre um clima que eu odeio e um cheiro que eu amo. E por que estou fazendo isso? Porque esse é provavelmente o dia mais agridoce da minha vida e eu não consigo parar de ver contrastes em todo lugar, como se o universo quisesse me mostrar um ponto, mas eu sei que não existe porra de ponto nenhum, entende? – Me viro para ela com as mãos na cintura, absolutamente cansada de ser tão perdida na vida.

Lauren ponderou apenas por um segundo antes de abrir um sorriso doce para mim – um que nunca falha em fazer eu me encontrar – , e estender os braços, em um convite mudo para que eu fosse ao seu encontro.

Ela está especialmente bonita hoje e desde que acordamos estou com dificuldades para parar de olhar. Não só hoje, sendo sincera. Depois de ter me perdoado e agido de maneira tão madura ao longo dessa semana, mesmo após toda a merda que eu fiz por suas costas, tenho me sentido estranhamente mais apaixonada, coisa que a essa altura do relacionamento julguei ser impossível.

Ela estava deitada na nossa cama, com seu corpo ligeiramente virado na minha direção. Usava somente uma camisa minha do Metallica e calcinha; seu cabelo caia em cachos revoltos até pouco abaixo do peito e sua expressão era um misto de preguiça e algo que não sei definir, mas que parecia ser bom.

Meio mancando, já que apesar de ter tirado o gesso, ainda sentia dores na perna, caminhei com felicidade até o meu amor, me jogando em cima dela quando cheguei perto o suficiente. Fui na intenção de abraça-la, mas quando senti sua risada fazendo cocegas no meu ouvido, tive vontade de beija-la e foi isso que fiz. Passei os braços por trás de seu pescoço e juntei nossas bocas, logo sendo correspondida.

Hoje é o meu último dia em Nova York. Já está tudo pronto, e pela madrugada, estarei embarcando rumo a Alemanha. Combinamos de não fazer disso uma grande coisa; agir naturalmente, como se fosse uma tarde qualquer de domingo. Se pudermos nos convencer disso, talvez a despedida não seja tão dolorosa. E olha, por incrível que pareça, estamos indo muito bem até agora. Exceto por um momento de fraqueza mais cedo, em que me escondi no banheiro para dar uma choradinha e quando voltei a peguei cheirando um moletom meu em posição fetal.

Meus lábios já se encontravam dormentes de tanto beijar, mas eu estava longe de querer parar. Nesse sentindo, o plano de fingir que nada demais está acontecendo também se mostra falho. Além de comer e sofrer em silêncio, tudo o que a gente fez hoje foi transar e se pegar, e é impossível negar que isso é um forte sintoma da saudade antecipada.