Pela primeira vez em muito tempo, um dia de chuva não me traz alegria.
Estou triste como poucas vezes estive antes, e, embora exista essa vozinha na minha cabeça dizendo que eu deveria melhorar minha cara e ao menos parecer feliz pela minha amiga, simplesmente não consigo porque dói demais.
Dinah está se mudando hoje para Seattle e estou com o coração partido.
Encolhida no sofá da nossa sacadinha, posso ouvir o som das rodinhas de suas malas se arrastando pelo chão da sala e isso me chateia ainda mais, pois é um constante lembrete de que em poucas horas, ela estará a quilômetros de distância e não vai voltar.
Desde que nos encontramos, Dinah e Harry tem sido tudo para mim. Eles foram a resposta as minhas orações; lutaram por mim quando eu não conseguia sozinha e me amaram quando isso era tudo que eu mais queria. Ainda não estou pronta para me separar de nenhum deles e sinto que parte de mim nunca vai estar.
E talvez eu esteja exagerando no desespero, já que isso não é um adeus definitivo. Dinah prometeu que conversaremos todos os dias e que virá nos visitar sempre que possível, mas sei que é inevitável que a partir de hoje as coisas mudem drasticamente. Eu sempre soube que um dia essa separação aconteceria. Harry sonha em se casar e formar uma família, assim como eu, e estava escrito que uma hora ou outra Dinah encontraria seu caminho para os holofotes. O problema é que eu não esperava que isso acontecesse assim... Tão de repente e... Cedo.
A gravadora que a contratou pretende investir pesado para que ela se torne uma estrela. Quase não a vi desde a virada do ano, ela esteve com a sua equipe praticamente o tempo todo. E quando finalmente tivemos um momento, mal pude ficar feliz antes que o anúncio da mudança partisse meu coração em mil pedacinhos. Isso foi há menos de uma semana; sinto que mal pisquei e ela já está indo.
-Oh, meu amor. – Virei minha cabeça em direção a voz de Harry. Ele me observava com compaixão encostado na porta da sacada. Só isso bastou para que eu voltasse a chorar e estendesse meus braços pedindo colo. Ele logo me atendeu, vindo apressado até mim e me tomando em seu abraço amoroso. – Não fica assim, Mila.
-Não consigo. – Respondi com dificuldade devido à voz embargada pelo choro. – Juro que estou morrendo de felicidade por tudo de bom que está acontecendo com ela, mas... m-mas... eu vou sentir tantas saudades!
-Eu também vou, Chancho. – Levantei meus olhos e lá estava ela, me encarando transbordando carinho e tristeza enquanto o beicinho em seus lábios evidenciava a força que fazia para prender o choro. – Poxa, não chora, filhote!
Em um impulso, me levantei e me atirei em seus braços, afundando meu rosto contra seu peito e agarrando sua blusa com toda minha força.
-Não vai... – Implorei.
Pude sentir um soluço ficando preso em sua garganta e seus braços me apertando com mais força.
Eu ainda olharia para trás e me sentiria a pessoa mais egoísta do mundo por estar dificultando uma despedida que não é dolorosa só para mim. Entretanto, nesse momento, a ideia da sua ausência me deixa em um estado de tão profunda agonia que é só nisso que posso pensar.
Assim que me dei conta do espaço ao meu redor, percebi que não estávamos mais em pé. Eu ainda estava com o rosto escondido em sua blusa e a agarrando como se minha vida dependesse disso, mas agora estávamos sentadas no sofá e mais um par de braços me envolvia por trás.
Não importa o quanto o mundo ou o ambiente ao nosso redor pudesse estar conturbado, sempre fomos capazes de encontrar paz na companhia um do outro. E dessa vez não foi diferente, embora tenha levado um bom tempo até que eu me acalmasse.
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Tongue Tied
Romance''Os homens perdem a saúde para juntar dinheiro, depois perdem o dinheiro para recuperar a saúde. E por pensarem ansiosamente no futuro esquecem do presente de forma que acabam por não viver nem no presente nem no futuro. E vivem como se nunca fo...