Prefácio

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 ISABELLE

— Feliz ano novo! – ouvi as pessoas ao me redor gritarem enquanto brindavam.

Para mim, não havia nada de "feliz", nem de "novo", apenas mais um minuto que se passava, um dia que se acabava. Não tinha energia para forçar um sorriso, por isso acho que as pessoas não me levaram a sério quando respondi um "feliz ano novo". Não me importava, de qualquer jeito, aquela era a minha família paterna (se é que eu posso chamar aquelas pessoas de família), e costumava relevar a maior parte de suas ações. Não era um ano feliz, definitivamente. Há mais ou menos um mês Emma me deixara, e sobreviver sem ela não estava sendo nem um pouco divertido.

As pessoas ao meu redor ainda riam, gritavam, bebiam, se beijavam, tentavam comer lentilha sem por os pés no chão... Agiam normalmente, como se nada estivesse errado. Talvez não estivesse para elas, mas na minha mente as imagens daquele dia não paravam de aparecer, como ondas batendo na costa, sempre indo e vindo, e, apesar de não destruir tudo de uma vez, sempre tirando um pedacinho que mais tarde faz uma baita diferença.

Era um dia frio e nublado, ameaçava chover a qualquer momento. Normalmente, amo dias assim, mas não esse. Minha mãe se oferecera para me acompanhar, mas menti, dizendo que tinha carona. Minhas amigas insistiram em me levar, mas menti para elas também, disse que iria com minha mãe. Decidi ir de transporte público, não acho que aguentaria olhos conhecidos me encarando.

Sabia que eventos como esse exigiam um traje formal e preto, mas não tinha "trajes formais". Podia imaginar Emma rindo de mim ao construir uma das minhas fortes críticas aos trajes formais, seria irônica e falaria muitas besteiras (como sempre), só para fazê-la rir. Mas ela não estava mais aqui, não estava mais comigo. Acabei indo de jeans preto, agasalho preto, e meu All Star cano alto preto muito surrado. Em um dos bolsos, o celular com os fones conectados, no outro, alguns trocados e uma foto, minha favorita com Emma, na qual ela estava me amassando em seus braços em um abraço. Ela ria, um riso que iluminava o dia de qualquer um, meu rosto estava meio deformado com uma mistura de careta e risada enquanto tentava respirar, mas sem querer sair de seus braços.

Nem tive dificuldades de chegar ao local, mas também não tive pressa. Por isso, cheguei meio atrasada e fiquei no fundo, o mais escondida possível. Pude avistar Clara e Alice mais a frente, lágrimas escorriam de seus rostos pálidos. Me cortava a alma vê-las assim, mas não podia fazer nada, estava tão quebrada quanto elas naquele momento. Vi alguns rostos conhecidos em meio à multidão, mas evitei olhar cada um deles. Desviei o olhar de todas as pessoas que faziam menção de vir me cumprimentar, não queria ser mal educada, mas não estava com paciência para desconhecidos e suas falsas preocupações.

Assim que o burburinho se dispersou, me aproximei mais do caixão. Não sei por que fiz isso, mas sei que me arrependi no mesmo momento. Dentro repousava o que costumava ser uma garota brilhante, cabelos claros e longos, um pouco cacheado, com olhos brilhantes e um sorriso encantador. Na verdade Emma estava sempre sorrindo, sempre tão alegre.

Segurei a mão daquele corpo agora sem vida, estava fria. Percebi que pesadas gotas quentes de lágrimas caiam de meus olhos, e eu não me importava mais.

— Por que você se foi? Por que você teve que me deixar? Por favor não me deixe sozinha aqui, por favor... – Sussurrei para aquele corpo, mesmo sabendo que não faria diferença.

Não aguentava mais ficar ali, de repente, era como se já não houvesse mais ar para respirar. Clara e Alice tentaram me segurar por um tempo, mas apenas as abracei com força e fui embora logo. O funeral ainda não tinha acabado, mas eu sim. Tudo que eu queria era Emma, mas ela não estava ali, ela não estava em lugar algum e nada mudaria isso. Minha presença naquele funeral não mudaria isso.

A Anatomia do CactoOnde histórias criam vida. Descubra agora