spring day (BTS)

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Apesar de ser Sábado, não tinham muitas pessoas na rua, ninguém queria sair em um dia frio e chuvoso como esse, mas eu precisava. Sentia o vento frio bater forte em mim devido à velocidade da bicicleta, congelando meu rosto, mas não desacelerei. Minha câmera, dentro da bolsa, batia em meu corpo a cada pedalada, minha respiração começava a falhar de novo e eu sabia que era por causa de Emma.

Passava pelas casas do bairro, alguns prédios, árvores... Lembrava de umas das 1001 vezes em que minha avó contara sobre a construção desse bairro, ela sempre falava orgulhosa sobre como os moradores sofriam muito com toda a poluição que vinha do centro, mas que ninguém os ajudava a resolver o problema, sendo assim eles mesmos fizeram algo e começaram esse processo de reflorestamento da região. Por isso, esse bairro residencial, mesmo estando muito próximo do centro e de toda a bagunça de uma cidade grande, parece mais uma cidadezinha do interior.

Continuei pedalando rápido, me perguntando por que essa história apareceu em minha cabeça de repente, essa minha avó, mãe da minha mãe, falecera há pelo menos 5 anos e fazia tempo que eu não sentia falta dela. Entretanto, perdera foi difícil já que ela era como uma segunda mãe para mim, cuidando de mim sempre que minha mãe fazia essas viagens a trabalho.

O vento batia ainda mais forte, deixando meus cabelos mais bagunçados. Senti meus olhos arderem e sabia que queria chorar, mas agora eu precisava ser forte, por Tessa, por Emma, pela minha avó e sua antiga geração que plantou todas essas árvores aqui.

Parei a bicicleta com um tranco quando cheguei onde queria, na minha frente o parque local tomava o horizonte coberto por nuvens cinza. Respirei fundo e entrei devagar, meu corpo todo tremia e não era apenas de frio, era como se algo em mim não quisesse aquilo, porque ele sabia do inevitável. Fazer o que eu estava prestes a fazer é reviver as memórias que eu tentei apagar.

Este parque foi criado na época do reflorestamento, antes disso, ele era apenas um grande terreno baldio cimentado. A ideia dos moradores era fazer um jardim, mas esse jardim cresceu e começou a se expandir para fora, assim, uma dessas super empresas comprou o local e decidiu montar um parque. Foi nesse parque onde Emma e eu passamos a maioria das nossas tardes no verão e foi nesse mesmo parque onde eu usei minha câmera pela última vez.

Não entrava aqui desde aquele dia e agora a lembrança era tão forte que chegava a ser palpável, o Sol forte, as crianças correndo e brincando, Emma sorrindo para mim. Agora uma garoa fina caía e o parque estava praticamente vazio, com exceção a uma pessoa ou outra que fazia exercícios, e eu que estava sozinha. Desci da bicicleta e decidi ir andando enquanto a empurrava, de qualquer forma, o lugar em que eu queria ir não era tão longe assim.

"Me prometa que você nunca deixará de ser incrível assim", a voz de Emma ecoava em minha cabeça, "só... Não deixe de ser você, não desista". Peguei minha câmera semi-profissional e comecei a tirar algumas fotos, não sabia exatamente o que procurava ali, mas sabia que aquele era o lugar. Mais alguns passos e eu estava exatamente no mesmo lugar em que eu passara aquela tarde com Emma.

Larguei minha bicicleta e andei lentamente até o meio do gramado. Me sentei ali, exatamente como eu fizera na última vez, puxei minha câmera e olhei para aquelas fotos de novo, contrastando com o agora. Passei longos minutos assim antes de decidir levantar o aparelho em minhas mãos e clique! Tirei diversas fotos exatamente iguais as da tarde com Emma, mas dessa vez sem ela, sem seu sorriso, sem o Sol quente daquele dia ou as risadas de estranhos que passamos o dia ouvindo, sem aquele estranho gosto de sorvete na boca, sem música ou danças ou piruetas divertidas, sem a mão de Emma na minha. Apenas um grande vazio, um horizonte coberto por cinza e chuva, um vento gelado que me envolvia e fazia meu corpo tremer mais do que nunca.

A Anatomia do CactoOnde histórias criam vida. Descubra agora