odd eyes (shinee)

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O sinal para a primeira aula tocava abafado pela música alta que ouvia. Era a primeira semana de aula e tudo parecia normal, normal até demais. Os mesmos grupos, as fofocas, as risadinhas pelos corredores... Tudo estava exatamente igual, exceto por mim. Dei de cara com Clara e Alice na entrada, mas após um leve cumprimento segui sem parar, não que tivesse algum lugar para ir, só não queria ficar com elas. Na verdade, não queria ficar com ninguém.

Era estranho andar por ali sem Emma do meu lado, falando bobagens e fazendo piadinhas horríveis para distrair. Agora, tudo que tinha era Bon Jovi tocando alto em meus ouvidos. Sentei-me em uma carteira distante dos outros e abri um livro, fingindo máximo interesse neste.

Ninguém vinha falar comigo, quando alguém notava minha existência era para mandar aquele olhar de dó, ou dizer algo como: "sim, é ela, a amiga da menina morta", "disseram que ela era a única lá quando acharam o corpo", "falam que foi ela que a matou"... E as fofocas seguiam até níveis extremamente absurdos, falavam histórias que eu podia jurar já ter visto em algum filme. Era incrível até que ponto a imaginação deles podia chegar.

Sabia que esse ano era importante, era o ano do vestibular, tinha em mente que precisava dar o melhor de mim. Emma e eu costumávamos fazer planos para isso, queríamos cursos diferentes, mas na mesma faculdade, além disso, mal podíamos esperar para sair da cidade. Não que eu odiasse São Paulo, na verdade, amo esse pedaço cinza de poluição e modernidade, mas sempre tive essa ânsia de me afastar de tudo e construir algo incrível. Sozinha.

Ainda não tinha comentado essa parte com ninguém, nem com Emma, ninguém sabia que, qualquer futuro que eu idealizasse, eu estava sozinha. O professor da primeira aula entrou e senti o peso da decepção ao perceber que seria uma longa e cansativa aula de química. Como realmente não estava a fim daquilo, acabei adormecendo em algum momento.

No lanche, fiquei me esquivando de todos e evitando ao máximo os lugares em que eu ficava com Emma. Uma parte de mim gritava para eu me juntar a Clara e Alice, mas eu me recusava. Não entenda mal, eu as amo com todo o coração, são as pessoas mais próximas que tenho, nos conhecemos há anos e por isso estava evitando me aproximar.

Lembrava-me de cada detalhe da noite em que Emma morrera, e não podia deixar isso acontecer com elas. Tinha que me afastar, pelo bem delas, para salvá-las de mim. E assim passei a primeira semana de aula, evitando a todos, dormindo em algumas aulas, me distraindo em outras. Precisava me dedicar mais, sabia disso, mas minha mente se recusava a me ajudar.

...

Uma nova semana começava, as pessoas pareciam estar aceitando minha decisão de isolamento, porque ninguém mais tentou se aproximar, apesar dos olhares continuarem. Tinha prometido a mim mesma não dormir mais nas aulas, o que se provou dificílimo logo no início do dia. Além disso, não dormir não garantiria minha total atenção às palavras do professor.

Era complexo demais, as lembranças eram fortes demais. Em alguns momentos era como se eu estivesse com Emma de novo, naquela noite, outras vezes eu simplesmente não conseguia dormir, porque sempre que fechava os olhos, via aquele rosto pálido e machucado de Emma. Claro que ninguém percebia, tomava cuidado para isso, era discreta. Além do mais, é incrível como as pessoas olham exatamente aquilo que elas querem ver.

O sinal tocou indicando o final daquela aula de química, meu alivio era palpável. Não tinha a menor ideia da próxima aula, acho que dormi na semana passada. Emma costumava dormir bastante durante as aulas, mas sempre se saia bem nas provas, eu sou diferente, sempre precisei das aulas para entender a matéria.

Estava perdida em devaneios quando uma moça de mais ou menos 22 anos entrou na sala. Fiquei totalmente perdida por um momento, quem era ela? Mas a turma toda parecia não se importar, como se ela já estivesse lá há horas. Pelo avental, sabia que era professora, e pelo jeito que ela se dirigiu à um aluno (totalmente em outro idioma), pude perceber que a aula em questão era inglês.

A Anatomia do CactoOnde histórias criam vida. Descubra agora