A Anatomia do Cacto

chasing cars (snow patrol)

Junho chegava trazendo consigo mais dias frios que o comum, o que não era exatamente ruim já que meus planos para o dia sempre envolviam ficar na cama. Tessa e eu passamos a semear o hábito de trocar mensagens todos os dias, fosse para falar de nossas recaídas ou apenas sobre o clima. Falar com ela fazia eu me sentir melhor, ter alguém que me ouvisse, que quisesse saber o que se passava pela minha cabeça e não se assustava com isso, tinha se provado extremamente positivo, apesar de eu ainda estar com um pé atrás.

Tessa tinha completado três semanas sóbrias e eu tinha passado em sua casa para nós tomarmos achocolatado e comemorarmos essa pequena vitória. Seu apartamento parecia mais organizado dessa vez, com menos caixas e mais coisas nos armários.

Não costumávamos nos ver fora da escola com exceção desse dia, fingíamos que não sabíamos da delicadeza da situação e que não estávamos fazendo nada fora do comum. Me esforçava para agir como se meu coração não batesse mais rápido quando ela estava ao meu lado e devo admitir que isso começava a pesar, era tão horrível tê-la tão próxima, me abraçando quando eu estava triste ou apenas tentando me convencer de que How I Met Your Mother era melhor que Friends, e, mesmo assim, ela estar em um mundo completamente diferente, praticamente em outra galáxia!

Claro que eu nunca abriria mão desses momentos, melhor pouco do que nada. Mas era como ter Emma ao meu lado, doía como se alguém arrancasse algo de mim, mas ao mesmo tempo era incrível, me dando uma estranha sensação de esperança.

Era aula de Arte, mas eu realmente não conseguia focar em muita coisa, estava perdida nesses pensamentos, em Tessa segurando minha mão e como seria sensacional se pudéssemos sair, como um casal... Ou se eu pudesse beijá-la nas vezes em que estávamos juntas... Ah, se eu pudesse beijá-la...

- Entendeu Isabelle? – Meu nome sendo pronunciado pela voz inconfundível da professora fez eu sair de meu transe, concordei mecanicamente como um reflexo.

A verdade é que eu não entendia nada, não entendia porque ainda insistia nisso, Tessa era minha professora com zero interesse em mim. Não entendia porque meu coração sempre fazia isso comigo, não entendia porque ainda tentava, não entendia porque, naquele exato momento, estava sentada naquela cadeira, no meio de uma sala de aula fingindo que estava tudo bem, que eu estava bem e estava de fato preocupada em construir um futuro. E principalmente eu não entendia nada do que estava acontecendo, porque eu me desliguei logo depois da professora dizer que ia explicar o trabalho do segundo trimestre.

- Os trabalhos serão individuais e realmente espero que dessa vez todos vocês façam. – Ela falou me olhando.

Sabia que isso era para mim, no último trimestre nem me lembrei do trabalho e aparentemente nenhum dos outros integrantes do grupo. Queria conseguir fingir que me importava, mas nem para isso eu servia.

O sinal tocou e todos saiam enquanto a professora gritava as últimas recomendações, as quais ela provavelmente já tinha dito centenas de vezes e as quais, com certeza, os alunos não prestaram atenção. Respirando fundo e sabendo que precisaria me esforçar, me dirigi até ela:

- Uhm... Professora?

- Sim, Isabelle.

- Sobre o trabalho... – Fiquei em silêncio pensando no que perguntar exatamente, sentia uma leve vergonha de dizer que não tinha prestado atenção em nada e não tinha ideia do que tinha que fazer.

- Você realmente não ouviu nada? – Ela parecia impressionada, mas não brava ou decepcionada.

Neguei silenciosamente com a cabeça, olhando para o chão. Por mais que gostasse da ideia de só jogar tudo para o alto, Tessa tinha me cobrado mais as lições de casa e de sala, aparentemente minhas notas estavam levemente preocupantes. "Se você quer se formar esse ano, vai precisar se esforçar mais que isso... E não só na minha matéria!", ela dizia sempre que minha dedicação ao futuro vinha à tona. Era difícil quando eu realmente não dava a mínima para onde eu estaria daqui um ano... Ou um dia.