darlin (avril lavigne)

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Respirei fundo e finalmente levantei da cama. Caminhei lentamente até a janela e a abri, sentindo o Sol quente da tarde bater em meu rosto, esquentando minha pele. Olhei para o relógio ao lado da minha cama que marcava 15 horas, coloquei a mão em meu rosto inchado de lágrimas e tentei limpa-lo de forma inútil. Encarei o horizonte mais uma vez me perguntando o que eu estava fazendo com a minha vida naquele momento.

Meu quarto estava uma bagunça completa, com pratos espalhados por todo canto e latinhas de refrigerante, aparentemente o meu substituto para as bebidas alcoólicas, além das embalagens de chocolates e balas. Eu estava um verdadeiro caco. Senti meu corpo gritar para voltar para a cama, mas já tinha passado muito tempo ali, provavelmente as últimas duas semanas inteiras, não tinha muita certeza do tempo percorrido desde que Isabelle saíra daqui. Entretanto, olhei para o calendário do meu celular e confirmei que amanhã começariam as aulas e eu precisava dar um jeito naquela bagunça toda.

Respirei fundo mais uma vez antes de me arrastar até o banheiro, sentindo a resistência do meu corpo e a súplica da minha cama. Olhei para o espelho, encarando o meu reflexo, meus olhos inchados e cheios de olheiras, minha cara amassada, meu cabelo parecia ter um ninho de passarinho perdido em algum lugar.

- Droga... – Murmurei baixinho desviando o olhar, não agüentava aquele reflexo.

Decidi então que tomaria um banho e tentaria mais uma vez viver o dia. Tirei as roupas e fui para debaixo da água quente do chuveiro, a deixando cair em minhas costas. Costumava fazer isso ouvindo música, mas nos últimos dias nem tocara em meu celular, temia tentar falar com Isabelle se o fizesse. Não tirava sua imagem da cabeça, como ela só tinha virado e ido embora, seus olhos cheios de lágrimas, e a culpa era minha! Mas eu precisava protegê-la, como a escola agiria se soubesse do que aconteceu? Como a sociedade reagiria?

Começava a me lembrar da minha mãe me ameaçando no enterro do meu pai, como ela gritava com tanto ódio, ou de sua cara quando me viu beijar Camila pela primeira vez, em nossa formatura, e de sua reação no dia seguinte. Eu não podia deixar isso acontecer com Isabelle, só de considerar a hipótese eu sentia um tremor passar pelo meu corpo.

Deixei minhas lágrimas se misturarem com a água do chuveiro enquanto elas escorriam, era tudo muito injusto. Eu não a queria distante, mas que outra escolha eu tinha? Não podia deixá-la se machucar e estar comigo era arriscado demais.

Sabia que estava sendo fraca, não podia me intimidar por causa do ódio, precisava resistir e não desistir. Eu sabia disso tudo, tinha Camila em minha cabeça com os seus discursos "você não deve ter medo do ódio deles, porque isso é exatamente o que eles querem", mas a sensação de que minha mãe apareceria aqui a qualquer momento para me dar bronca por isso era inevitável.

Talvez fosse um medo sem fundamento, uma paranóia, entretanto, durante essas duas semanas em que eu não saí de casa, a imagem de minha mãe fazendo algum mal a Isabelle não parava de me assombrar. Fechei os olhos e esperei o condicionador sair por completo, desliguei o chuveiro e fui me secar, procurando roupas limpas logo em seguida.

Eu passara muito tempo na cama e a sensação de finalmente sair de lá para fazer coisas simples como me limpar ou sentir o sol em minha pele tornava tudo um pouco mais leve. "Um passo de cada vez" eu pensei comigo mesma, algo que Camila vivia me falando na faculdade quando eu surtava com as centenas de textos para ler. Sentia falta dela, não do jeito que eu senti quando cheguei em São Paulo, agora eu só sentia falta de ter uma amiga com quem conversar. Apesar disso, não ousei mandar mensagem para Cami também, queria dar o tempo e espaço que ela precisava, mesmo que isso fosse para sempre.

Respirei fundo e comecei a limpar o meu quarto, juntando todos os pratos sujos e jogando no lixo todas as embalagens que eu encontrava. Levei tudo para a cozinha e lavei a louça, não estava com fome, mas não comera nada ainda e por isso precisei encarar minha geladeira e meus armários por longos minutos imaginando o que eu conseguiria ingerir agora. Decidira que ia beliscar umas bolachas até a hora da pizzaria abrir, porque alguém precisava ir ao mercado.

A Anatomia do CactoOnde histórias criam vida. Descubra agora