Capítulo 12

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Passaram dois dias desde a minha conversa com Artur. Ele não apareceu mais. Aquele domingo foi longo nas atividades, mas a noite eu consegui ir para o meu tronco e ficar um pouco só. Precisava pensar em tudo. Admitia que sentia falta dele e de nossas conversas. E aquela sensação me agoniava.

— Sabe, o Senhor não me enviou aqui para sofrer por causa de alguém — falei, olhando para o céu estrelado.

Eu não podia perder o propósito de estar ali. Aquelas pessoas precisavam de nossa ajuda, pois logo voltaríamos, e eu não podia perder tempo com coisas do coração. Não mesmo!

— Vivi 28 anos bem. Por que isso me afetaria agora? — Quis convencer a mim mesma, mas meu coração dizia outra coisa. O que estava ocorrendo comigo?

Fiquei parada, querendo ouvir uma voz do alto, um clarão no céu e um anjo descer para dizer que tudo aquilo era loucura minha. Mas, na verdade, o que escutei fez meu coração bater descompensado.

— Deveria entrar, senhorita. — Era ele.

— Artur? — O fitei com o coração na mão.

Ele pediu espaço e sentou ao meu lado. De imediato, dei lugar e ele ficou calado. Durante aquele momento, observei como sua mão rodava a boina, seu rosto parecia um pouco cansado, mas eu ainda o achava o mais belo.

"Por que esse homem apareceu na minha vida?" Indaguei na mente. "Você só trouxe confusão para mim, Artur!" Queria poder ficar com raiva dele, mas parecia que era levada para o extremo oposto.

Eram sentimentos que eu não conseguia controlar e isso me tirava do sério. Após notar que ele talvez demorasse mais para dizer algo, eu indaguei porque da última vez o assunto ficou mal resolvido. E aquilo pairava sobre nós.

— Como sua esposa faleceu? — perguntei receosa.

Ele mirou a paisagem noturna à frente.

— Morreu de câncer três meses depois que deu à luz a nossa filha — começou a contar com a voz distante.

Tudo aquilo fez meu coração partir.

— Foi um tempo muito feliz em minha vida. Ângela era a mulher mais amável que alguém poderia conhecer — ele continuou.  — A conheci quando tinha 28 anos. Ela era a irmã de um amigo do exército. Sabia que queria ela ao meu lado até minha morte — Aquelas palavras doeram em mim.  — Não demorou muito para casarmos. Ela tinha pedido para que eu saísse do exército, pois temia pela minha vida. Eu ia sair, mas quando ela morreu decidi ficar. Meu mundo virou de cabeça pra baixo.

— Deve ter sido difícil mesmo. — Foi tudo que consegui dizer.

— A minha filha lembra muito a Ângela. Os mesmos cabelos enrolados e olhos castanhos. É uma cópia fiel — ele disse e sua voz parecia distante.

Na verdade, ele estava lá preso no passado com sua esposa e filha.

— Eu compreendo — falei com a voz baixa. Não sabia direito processar aquelas informações. Mas uma guerra de emoções se levantavam em mim e eu queria que aquilo parasse.

— Não sei por que Deus permitiu tamanho sofrimento – ele disse com a voz pesarosa. — Luto para tentar não criar mágoas, mas é difícil. — As palavras de Artur possuía amargura. — Ele tirou a pessoa que eu mais amei. Ela era a razão do meu viver.

Naquela hora, as palavras dele atravessaram meu peito e não sabia o que responder, contudo, umas palavras voaram da minha boca.

— Se você acha isso. Então, Cristo não é o melhor para você.

— Como? — Artur se fixou em mim.

Espantei-me por aquelas palavras, mas também tive o entendimento do que se referia.

— A pessoa a quem deveria mais amar em toda sua vida deveria ser Jesus Cristo. Ele deve ser a razão principal da sua motivação de viver. Se a cruz de Cristo não é suficiente para lhe dar alegria e ser grato a Deus até o fim de sua vida, então nunca o conheceu. Ninguém é merecedor de ser a razão do nosso viver. — Minhas palavras foram duras.

Artur ficou pensativo acerca daquilo e uma decepção cobriu seu rosto.

— Achei que você possuía uma senso maior de compreensão, mas vejo que não. — Ele se levantou, me deixando sem palavras. — Entre, senhorita, é o melhor a se fazer. Boa noite.

Ele partiu, deixando a certeza que nossa relação tinha ficado mil vezes mais complicada. Me levantei dali, segui para a casa e sentei no chão da varanda. Com o tempo, Nicolas se achegou ao meu lado e começou uma conversa. Abri meu coração.

— Você precisa ouvir o que ele dizia sobre ela e como dizia. Cada palavra feria meu coração — declarei a Nicolas e lágrimas desceram.

— Posso imaginar... — Ele pôs a mão na nuca pensativo. — Mas o Artur pode está precisando de você.

— Se eu me casar com alguém, quero que esse seja cristão de verdade. Como pode dizer que a mulher dele era a razão da sua vida?

Nicolas coçou a nuca, sabia que ele tava meditando numa resposta.

— Não acredito que o Artur não seja um cristão de verdade, mas creio que ele passou por grandes lutas e tristezas e a fé balançou. — Nicolas tinha compaixão. — Nenhum de nós estamos imune a isso, Lia. Precisamos ter um coração mais sensível a dor de nosso próximo.

— Mas ele falava como se Deus fosse culpado por essa fatalidade.– Tentei contra argumentar.

— Todos nós somos tendenciosos a duvidar da bondade de Deus, contudo, o Senhor em sua infinita misericórdia nos trará novamente a comunhão com ele. — Ele deu um sorriso fraco. — Você não pode ser tão radical quando lidar com sentimentos.

Fiquei pensativa. Nicolas tinha um bom argumento. Mas eu não conseguia ser diferente. Não tinha tempo para lidar com as loucuras dos sentimentos.

— Ele foi enviado até você como um irmão em Cristo a qual Deus, se quiser, poderá usar para ajudá-lo. E, se no meio de tudo isso, o plano também for que fiquem juntos assim será feito.

— O seu conselho é para que eu o olhe como um irmão em Cristo e o ajude a suportar as suas cargas? — perguntei, querendo confirmar as ideias dele.

— A bíblia nos chama para “suportarmos uns aos outros” e devemos fazer isso com amor fraternal para proveito da própria pessoa mesmo e não nosso. — Me aconselhou sabiamente. — E você, Lia, muitas vezes só atende ao primeiro olhar. Tem que ir além do que vê. Já conversamos sobre isso.

Lágrimas rolaram pela minha face. Essa questão de fazer o bem pelo simples fato de que a pessoa seja mesmo abençoada era mais difícil do que pensava.

— Por que isso está acontecendo comigo? Por que esse sentimento? — Descansei a cabeça no ombro de Nicolas.

— Talvez Deus queira que você aprenda a amar mais profundamente. O amor fraternal ele vai até um ponto, mas o amor de uma mulher e um homem serve para mexer com nossas estruturas. E isso dói, minha amiga.

Eu sinceramente não queria aquilo. Me tirava da minha zona de conforto. Eu não tinha chamado para casar. Se parte de um relacionamento fosse aquilo, queria estar bem longe.

— Acho que não estou pronta para isso — declarei emocionada.

— Nunca estamos, mas a vida é assim. O baque vem de onde nem esperamos. Amar dói, mas é necessário!

🪵

Nicolas, o sensato; Lia, a radical; Artur, o magoado. Que situação desse povo!

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