Capítulo 2

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Eu fui ajudada por alguns dos moradores locais, que se aproximaram da gente para auxiliar com o carregamento das coisas. As crianças chegaram perto e algumas jovens permaneceram distantes, olhando como se fôssemos algo exótico.

Ficaríamos três meses para ajudar nos recursos materiais, pois a seca estava assolando muitas comunidades ribeirinhas – e o mais importante – levar esperança e consolo para os corações. Algo que somente o Senhor Deus poderia fazer, e eu queria que ele me usasse para esse propósito. A minha oração era: “Dá-me senhor uma língua erudita para que eu possa falar uma boa palavra ao aflito”, assim como o profeta Isaias.

Assim que terminamos aquela caminhada, estávamos todos esgotados. O líder da comunidade nos saudou, seu Joel e sua esposa Tereza, que nos levaria a residência que preparam para nós e, com as poucas forças que nos restavam, a seguimos. A casa era de madeira e modesta, mas possuía uma pequena varanda e era pintada de verde. Mas somente de ser um lugar para descansar era maravilhoso. Na verdade, sabíamos que não teríamos quase nada de conforto, portanto, orientei os jovens para essas circunstâncias. Eles deveriam ter isso em mente.

Havia uma escada pra subirmos a fim de chegar na varana e entrar na casa, que possuía uma sala e um balcão que dividia a cozinha, uma mesa perto da janela, do lado direito dois quartos, um para as meninas e outro para os meninos. Nos quartos tinha uma cama de casal, armadores para redes, um mosquiteiro, além de um guarda-roupa já usado, mas a madeira era muito boa.

— Tudo que eu mais quero é se deitar — Larissa, nossa enfermeira, declarou.

— Olha, já deixo avisado que os ratos podem caminhar pela cama a noite.

Meus olhos e os das meninas se esbugalhram. O quê? Como assim?

— Então, eu vou dormir na rede — Jamile disse convicta. E eu apoiava aquela ideia.

Tereza nos deu um sorriso torto.

— Ah, eles podem descer pelos punhos das redes também.

— Misericórdia! Então, como vamos dormir? — Jeniffer, outra jovem, proferiu espantada. — É capaz de acordarmos no meio da noite e os ratos estarem olhando para nós.

Tereza nem fez questão de negar.

— É um ato de fé realmente! — Foi o que ela concluiu. — Coloquem suas coisas na cama e depois arrumem no guarda-roupa.

Após nos dar as devidas orientações, Tereza se propôs a preparar um almoço para nós. Após nos lavarmos e comermos, nos sentamos ao redor da mesa para uma breve reunião para conversarmos sobre os planos para os próximos dias. Tereza nos vendo entretidos na conversa, avisou que partiria. Mas eu sugeri:

— Tereza, não gostaria de nos acompanhar na reunião? Suas informações poderiam nos ajudar por onde começar. Afinal, você mora na comunidade. – Ela encolheu-se um pouco, mas aceitou.

Ela ouviu algumas ideias, pois viemos com alguns planos traçados, porém, algumas coisas mudam quando vemos a realidade de perto. Na verdade, naquele momento, me sentia perdida e percebi que os outros também. Mas, de repente, Tereza pronunciou:

— Vocês deveriam começar pelos doentes. Tem umas famílias bastante necessitadas, precisando de ajuda imediata — comunicou. — O exército está com pouco recurso para suprir todas as necessidades aqui.

— Exército? — indaguei.

— Sim, a base deles fica a alguns quilômetros daqui. — Ela explicou um pouco mais.

Fiquei satisfeita com a ideia de Tereza. Felizmente possuíamos um médico – que não podia ser outro – se não o Nicolas. Através da medicina ele ajudou muitas pessoas, de crianças a idosos.

Organizamos nosso roteiro para o dia posterior e nos dividimos em duas equipes. Concluímos que visitaríamos seis famílias. Ajeitamos os mantimentos que doaríamos e convidamos Tereza para ser nossa representante até sermos inseridos por completo na comunidade.

🪵

Passamos a tarde preparando os kits de doação e ao fim da noite estávamos abatidos pelo cansaço. Jamile, Josué e Jeniffer preparam uma janta antes do anoitecer, pois não tínhamos energia elétrica. Todos nós comemos e nos preparamos para repousar. Éramos 10 pessoas. De mulheres, eu, Jamile, Jeniffer, Larissa e Mariana. Os homens eram Nicolas, Tiago, Joabe, Felipe e Eduardo. Cinco pessoas em cada quarto. Atamos nossas redes e ninguém teve coragem de dormir na cama.

Às 19h já estávamos deitados, porém, com o costume da cidade de nunca estar na cama esse horário nos fez ficar conversando, mas uma por uma foi ficando em silêncio com o decorrer das horas até eu começar a ser dominada pelo sono. Estava quase lá quando o som de um grito ecoou pelo quarto.

— Um rato! Um rato está em cima de mim! Socorro! — Era o timbre de Mariana.

O agito foi grande porque as outras meninas começaram a se alvoroçar e pude ouvir o som do ratos no teto e até mesmo consegui enxergar um subindo pelo punho da rede. Que malandro! E terrível e pavoroso. Os meninos entraram em nosso quarto com uma pequena lanterna.

— O que foi? O que aconteceu? — Nicolas perguntou assustado.

As meninas pulavam, gritavam e correram para cima dos meninos. Jeniffer acabou tropeçando numa das malas e foi pra direto no chão. Misericórdia!

— Rato! Rato! Rato! — Mariana dizia e pulava como se tivesse algo sobre ela. — Um subiu em mim tenho certeza. Ela estava andando sobre mim — a fala dela ficou embargada.

Coitada! Aquele era um grande trauma para uma primeira noite, da primeira viagem missionária dela.

— Me ajuda, por favor. — Ela amoleceu o corpo e eu achei que fosse cair, mas Tiago acabou a aparando.

— Me recuso a dormir aqui! — Jeniffer protestou se erguendo do chão com a ajuda de Josué.

— E vai dormir aonde? — Nicolas indagou sério..

A menina não conseguiu responder e, de repente, começou a chorar. Larissa, que era do Rio de Janeiro, estava assustada com todos aqueles acontecimentos. Estava quase certa que ela se arrependia de ter escolhido fazer missão no interior do Amazonas.

— Eu só quero voltar para minha casa — Jeniffer ficou inconsolável.

Apesar do meu sono me deixar com a paciência curta, entendia bem aquilo. Ter somente 19 anos e já passar por aquilo era difícil. Olhei para o outro lado e Mariana já começava a se estabelecer. Jamile e Larissa já estavam encolhidas perto da porta do quarto.

— Meninas, precisamos voltar a dormir que o dia é longo amanhã — falei para elas. — Não tem para onde fugir. O jeito é pedir graça de Deus.

Elas, após muito esforço e conselho meu e de Nicolas, se convenceram a voltar para as redes. Os meninos retornaram ao quarto. Fui até a cozinha para beber uma água e Nicolas se aproximou de mim.

— Essa missão vai nos render o dobro de paciência com esses jovens. — Ele se serviu de água.

— Nem me fala. — Afundei a mão no rosto. — Que o Senhor me dê graça ou eu infarto de vez.

— Infartamos! — Ele me abraçou de lado e deu um beijo no topo da minha cabeça, como era de costume. Não sei o que faria sem ele.

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