Logo que ela partiu, fiquei com o rosto afundado nas mãos pensando sobre tudo e nada ao mesmo tempo. Nicolas apareceu após um tempo falando:
— Vim buscá-la. — Ao ver que não respondi nada, ele se sentou do meu lado. — Lia, o que aconteceu? Por que está assim?
Eu respirei fundo.
— Eu sou um fracasso total, Nicolas. O mundo desaba ao meu redor e não posso fazer nada.
— Não estou entendendo. — O tom dele denunciava sua falta de compreensão.
Falei sobre tudo que Vivian havia falado e como meu coração estava em frangalhos com tudo aquilo. Ele ficou em silêncio por um tempo, provavelmente pensando.
— Talvez seja melhor voltarmos mesmo — disse com o pessimismo me dominando.
— Não, não podemos abandonar este povo aqui. Eles precisam ouvir a verdade. Nós precisamos pelo menos tentar de algum outro jeito. — Nicolas tinha segurança na voz.
— E o que eu posso fazer? Sou inútil desse jeito! — A minha lamentação era mais do que eu gostaria.
— Vamos nos reunir hoje a noite — ele declarou. — E conversar sobre nossas ações aqui. Deus nos guiará.
Eu apenas assenti e fechei os olhos.
— Santo Deus, eu não posso abandonar a obra que me deu, mas também não tenho muita força. Ajuda-me, porque estou vendo que a luta vai ser ferrenha. — Orei ainda no meu tronco. Depois disso, lembrei de algo e perguntei: — Nicolas?
— O que foi? — Ele se aproximou de mim.
— Gostaria de saber se vocês descobriram quem atirou a pedra em mim — disse cansada.
— Até agora ainda não sabemos de nada, mas estão investigando. Artur disse que logo descobrirão — Nicolas assegurou..
— Prometa-me que quando descobrirem algo por menor que seja você me contará?
— Eu prometo. — Ele me abraçou de lado.
Há dias essa questão martelava em minha mente. Perguntava-me o porquê de fazerem isso. Será que foi proposital? Ou será que teria sido um acidente? Não sei. E essas indagações me afligiam.
— Ainda bem que tenho você e o Artur para me ajudar. — Deitei no ombro dele.
— Seremos apoio até quando Deus permitir. Mas sabemos que tem vezes que ele retira tudo a fim de olharmos só para ele.
Eu não disse mais nada e ele me levou para casa, onde me deitei na rede, pensando em que faria e como faria. Queria ler minha bíblia, mas não podia. O peso do meu coração aumentou. De repente, ouvi a porta ranger e alguém entrou.
— Lia, você está bem? — Era Jamile próximo de mim.
— Não, mas vou ficar agora — respondi. — Faz um favor para mim, por favor.
— O quê? — ela perguntou sem entender muito bem.
— Leia pra mim, leia a bíblia — pedi com urgência.
— Que parte? — Ela mexeu em algumas coisas que fizeram barulho e senti quando se aproximou.
— Alguma coisa, preciso ouvir.
— Lerei o livro que estou meditando esses tempos — Jamile declarou, sentando ao meu lado.
— Pode ler. — Minha alma ansiava pelas escrituras, era uma necessidade.
— Daniel capítulo 9 verso 2: “No primeiro ano do seu reinado, eu estava estudando os livros sagrados e pensando nos setenta anos que Jerusalém ficaria arrasada, de acordo com o que o Senhor Deus tinha dito ao profeta Jeremias. Em sinal de tristeza, eu vesti uma roupa feita de pano grosseiro, sentei-me sobre as cinzas, deixei de comer e orei com fervor ao Senhor Deus fazendo-lhe pedidos e súplicas”.
Era isso!
Foi tão claro e direto!
Quis até chorar de emoção!
A palavra foi certeira em meu coração. Deus me chamava a interceder por aquele povo a me assentar sobre as cinzas e suplicar sua misericórdia. Não pude evitar as lágrimas sobre minha face, talvez eu não pudesse enxergar. E não poderia sair por aí falando, mas eu certamente poderia clamar dia e noite ao trono da graça.
— Obrigada, Jamile. — disse com a voz embargada.
Ela segurou minha mão e apertou como se tivesse entendido meu sofrimento e despertar naquele momento. Ficamos ali juntas por um tempo até que adormeci.
🪵
A noite chegou e todos nós estávamos reunidos dentro da casa. Nicolas pronunciou algumas palavras. Logo após eu falei:
— Pessoal, depois de tantos dias turbulentos, eu sei que alguns de vocês se encontram desanimados. Eu me encontrei muitas vezes assim, não posso negar. — Soltei o ar pesado. — Contudo, enquanto nós descansamos, as trevas não pararam. Tive conhecimento que procuram nos tirar daqui, para que uma espécie de bordel se instale. As pessoas dessa comunidade perecerão em seus pecados, se não anunciamos o evangelho para elas.
— O que iremos fazer então? — Reconheci o timbre de Felipe.
— Iremos orar, interceder, suplicar a Deus, até que o mesmo nos atenda — declarei com a fé mais renovada.
— E não só isso, mas agora participaremos mais da vida desse povo. — Nicolas tomou a palavra. — A bíblia nos ensina que muitos homens de Deus influenciaram onde estava porque realmente faziam parte do lugar. Daniel realmente morava na Babilônia, tal qual José no Egito e outros.
— O apóstolo Paulo disse que se fez judeu para ganhar os judeus e fraco para ganhar os fracos — Tiago, nossa dentista, falou. — Eu aprendo com isso é que nós devemos nos envolver com as pessoas, o dia a dia delas.
— Verdade, e assim nós criaremos pontes mais reais com elas — Mariana o complementou.
— Cristo é o exemplo de maior missionário e para isso Ele mesmo andou entre nós. Viveu nossas dores, sorriu como a gente, ajudou de modo prático — continuou Nicolas, nos alertando para algo extremamente importante.
— Até hoje temos vivido muito só entre nós e não temos nos misturado, ou mesmo vivenciado a vida diária dessas pessoas. É isso que devemos fazer – Jamile disse, entrando na conversa.
— Nós iremos andar com essas pessoas, lado a lado, e viver como elas. Mostrando assim o evangelho de forma prática — Nicolas proferiu determinado. — Vamos servir com os homens cavando poços; tirando madeira das árvores. Ajudar nas construções; dar aulas para as crianças... Cada um tem seu talento aqui e profissões. Usaremos para esse propósito.
— Eu vou guerrear por vocês em oração e no que puder farei — eu declarei emocionada, pois sentia como aqueles jovens estavam realmente querendo algo com Deus.
— Essa missão saiu totalmente dos trilhos — Joabe, um dos mais jovens, pronunciou. — E ainda estamos presos aqui por causa da seca. Mas sinto que a intenção de Deus era realmente sacudir todos nós.
— Achávamos que estávamos na direção do trem, mas o Senhor mostrou que não — Jheniffer, a moça de voz mais aguda, declarou.
Nós nos abraçamos e oramos juntos, pedindo a Deus graça para aqueles dias. Que Ele guiasse nossas ações porque tudo fugiu do controle e só podíamos contar com sua sabedoria infinita. Ele nos chamou para estar entre os lobos, confiando apenas nEle. Era isso que faríamos!
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Uma Porta de Esperança
Spiritual"Portanto, que o Deus da ESPERANÇA vos abençoe plenamente com toda a alegria e paz, à medida da vossa fé nele, para que transbordeis de ESPERANÇA, pelo poder do Espírito Santo". Romanos 15:13. No ano de 2002 uma seca assolou as comunidades ribeirin...