Capítulo 17

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"Jesus, tu és tudo para mim"

"A tua graça me basta"

"Quero somente a ti"

Palavras ditas tantas vezes por mim e eu sentia que estava sendo testada em cada uma delas naquele tempo. Só a graça de Deus me bastava mesmo? Queria somente a Ele, ou algo mais? Jesus realmente era tudo para mim e mais nada importava? Eu chorei porque constatei que não.

É tão fácil dizer essas coisas num culto, no meio de uma emoção, mas quando a vida realmente aperta e Deus retira coisas importantes, abri meus olhos para minha própria hipocrisia. Não, não queria só Jesus, mas minha visão também. Não deseja somente a Ele, porém agora um homem também.

Não que esses desejos sejam errados, mas demonstrava que meu coração não era tão entregue ao criador quanto eu gostaria que fosse e achava que era. Na verdade, estava cheio de desejos tão carnais quanto qualquer outro. Eu chorei por isso. Chorei por ver o quanto me encontrava ainda tão absorta nas coisas desta vida.

— Senhor, falhei tanto — disse com lágrimas escorrendo pela face. — Pequei em achar que tudo estava errado no mundo, mas não conseguia olhar para mim mesma, para minha própria condição. Perdão, Deus!

Continuei orando no quarto, sentindo meu coração comprimido e tendo raiva ao ver o tamanho das minhas falhas. Por que, meu Deus?! Ainda lutava no meu íntimo quando a porta do quarto se abriu.

— Está pronta, Lia? — Reconheci o timbre de Nicolas.

Era o dia em que eu voltaria para casa. Artur tinha dito que me acompanharia e suas palavras de conforto eram bençãos para minha alma. Senti braços me envolverem e eram os jovens, que haviam organizado tudo e vieram me buscar também. Havia um conforto com aqueles abraços.

Eles fizeram muitas perguntas, falaram sobre como as missões tinham ocorrido na minha ausência. Mariana e Tiago relataram sobre um idoso que visitaram e ele tinha permitido um culto todas as terças na casa dele. Me alegrei e fiquei pensativa sobre como a obra de Deus não precisava mesmo da minha presença para prosseguir.

— Está pronta para partir? — a voz de Artur ressoou no quarto e meu coração deu um salto.

— Eu estou. — Sorri. — E eu quero ir andando, por favor.

Depois de uns cinco dias na base, queria muito voltar para casa, experimentar outro ambiente e poder fazer algumas coisas, apesar de que agora tudo seria bem diferente. Tentei desviar a tristeza que se apossou do meu coração naquele instante.

Artur colocou minha mão em volta de seu braço e me levou para fora. Os jovens e Nicolas foram ajudando no caminho também. Eu gostava de apreciar o cheiro de mata, o canto de alguns pássaros, porém o calor estava demais. No entanto, não deixei que aquilo tirasse a alegria de estar viva.

Ao chegar em casa, eles me ajudaram a subir as escadas e me levaram para o quarto. Eu sentei na cama e toquei no lençol da cama, respirando fundo e tentando trazer à mente como era a "decoração " do ambiente. Me lembrei bem pouco, atentando-me o quanto eu não prestava atenção nas coisas. Levantei e fui tateando as coisas.

— Vem, vou te ajudar — Nicolas segurou no meu braço, mas eu não quis.

Aos poucos fui andando e tocando nas paredes e nos objetos, contudo senti uma dor aguda na perna e o som de um objeto se quebrando.

— Cuidado! — Nicolas gritou em vão.

Aquele pequeno machucado causou um alvoroço nas minhas emoções. Eu queria dar um grito, mas apenas deixei meu corpo cair no chão.

— O que foi que se quebrou? — indaguei aflita.

— Foi só minha colônia, mas não se preocupe — Como não respondi, a voz feminina continuou: — Sou a Jamile.

Coloquei as mãos sobre meus cabelos e o pranto, mesmo sem eu querer, travou minha garganta. Fiquei desolada. Era mais forte do que aquelas emoções de frustrações.

— Lia, não fiquei assim — Artur se achegou a mim.

— Eu acho que não vou conseguir — disse com a voz embargada. — E é melhor todos ficarem longe se não quiserem se machucar.

Ele me trouxe para mais perto de si e o abracei, sentindo ele acariciando meus cabelos.

— No início, é assim mesmo. Parece que nunca vamos nos acostumar, mas Ele prometeu consolo. — Foi o que ele disse.

Eu sofria uma guerra de querer aceitar a vontade de Deus e outra de ansiar que tudo aquilo só passasse.

— Lia, estamos aqui para te ajudar. Não se esqueça disso! — Nicolas falou. A voz dele e de Artur eram as únicas que eu reconhecia.

— Sou inútil agora! — rebati irritada.

— Você é uma das mulheres mais fortes que eu já conheci, que já abençoou muitas vidas — Nicolas tentou me consolar.

— Eu não sou a mesma e nunca mais serei!

Eu não estava ciente do quanto aquelas palavras seriam o decreto mais real para a minha vida.

— Tia Lia. — O timbre infantil de Davi ecoou no quarto e eu me despertei com a presença dele.

— Davi, onde você estava? — Ele se aproximou de mim e o acolhi em meus braços.

— Nós o deixamos com a vizinha, enquanto fomos buscá-la. Ele estava cheio de saudades. Não é, Davi? — Nicolas declarou.

— Achei que a senhora tinha ido embora. — Escutei aquela voz aguda dele.

— Oh, meu pequeno! Eu quase parti, mas estou aqui agora. — E o abracei mais forte, deixando as lágrimas descerem.

— Está chorando, tia?

— Não é nada. Logo tudo vai passar e você me ajudará, ficando aqui do meu lado, não é? — Depositei um beijo no topo da cabeça dele.

— Não, vou te abraçar todos os dias. — Ele se agarrou mais comigo.

E sem saber, ele estava sendo meu maior consolo em meio ao desespero da minha alma. Artur e Nicolas se afastaram. Crianças eram realmente uma dádiva por Deus por nós. Fiquei ali abraçada com ele.

🪵

Demorou mais saiu um capítulo nesta semana! Caminho longo esse da Lia, hein?

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