Capítulo 27

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Depois da conversa com Nicolas, eu adormeci bem. Meu sono foi longo e uma paz ecoava mais no coração. Talvez aquele novo dia traria boas notícias e graças, afinal, as misericórdias de Deus se renovam a cada manhã.

Estávamos tomando café da manhã e uma conversa animada envolveu todos os jovens, o que já não acontecia há muito tempo. Larissa contava suas peripécias no Rio de Janeiro e todos morriam de rir quando várias batidas na porta começaram.

— Eita! Desse jeito vão derrubar a porta — Joabe declarou e, provavelmente, foi abri-la.

— O doutor Nicolas está? — Uma voz desesperada e aguda ressoou na casa.

— O que aconteceu? — Senti que Nicolas levantou, ele estava ao meu lado.

— A minha prima, Iara, está sangrando. Acho que é o bebê! O senhor poderia vê-la? — O tom da mulher era de súplica.

— É a adolescente de 13 anos que está grávida? — perguntei preocupada.

— É ela sim! — a mulher me respondeu.

— Já estou pegando minha maleta e nós iremos!

Nicolas se apressou e os jovens se agitaram, começando a organizar as coisas para ir ajudar aquela família. Depois de tanto tempo enterrada em minhas dores, eu senti uma motivação de ajudar os outros que também sofrem.

— Mariana, me guia até a casa da menina — falei, e ela me levou até lá. O calor estava escaldante e o vento não soprava, trazendo mais uma agonia por imenso calor.

Ainda do lado de fora, eu poderia ouvir os gritos da menina grávida. Pedi que me levassem até o quarto dela e assim fizeram. Apesar de não ver nada, eu poderia vivenciar os movimentos apressados e acelerados das pessoas. Eu escutava as orientações de Nicolas para a menina. Após muito trabalho, todos ali escutamos algo que gerou profunda tristeza.

— Infelizmente, perdemos o bebê! — O portador de tal notícia era Nicolas.

Outra vez, sentimos uma avalanche sobre nós. Deus não estava nos poupando de nenhuma dor. Eram tantas perdas e lutas que me faziam perguntar como anunciar um Jesus de cura, de libertação e graça era real, sendo que tudo que estava acontecendo parecia confirmar o contrário. Eu senti meu espírito murchar. Com esforço, pedi para Nicolas me levar mais perto da garotinha. Ele me sentou perto da cama dela.

— Posso segurar sua mão? — perguntei a ela.

— Pode — a voz dela era fraca.

Ela trouxe sua mão e a segurei, sentindo o tremor e a fraqueza. Um corpo tão jovem sofrendo tamanhas fragilidades talvez por consequência de um abuso ou sedução da carne. Não importava. Mas sim de como o pecado afetava vidas e as destruía por onde ele passava. Era contra aquele terrível mal que lutávamos e dia após dia pareciamos perder.

— Iara, eu não sei o tamanho da sua dor, mas eu sei que Deus conhece — pronunciar aquilo me fez doer o espírito.

Estava ali, vestida como uma missionária, para falar do Senhor Eterno, mas, por outro lado, todos os dias lutava com ele e suas determinações na minha vida.

A jovem começou a chorar.

— O Deus das escrituras é conhecido por transformar o que é mal em bem. Sei que é difícil confiar em quem não conhecemos, mas é um bom exercício nesse momento.
O choro da moça aumentou mais e eu fiquei preocupada.

— Eu poderia conversar com você sozinha? — ela pediu e, com o tempo, todas as pessoas foram saindo e escutei a porta do quarto se fechar.

— Você não está muito cansada para conversar?

— Eu preciso falar ou sinto que vou morrer!

Iara segurou mais forte a minha mão.

— Você é desconhecida, é melhor porque assim levará embora também meu segredo.

— O que quer dizer com isso?

— Ninguém sabe quem é o pai do meu filho.
Eu não estava acreditando que ela estava contando um segredo que nem os pais conseguiram descobrir, segundo Tereza me contou naquele dia.

— Sim, eu sei — respondi.

Sua demora em continuar me fez perceber que ela buscava forças para prosseguir.

— O pai do meu filho é meu primo. Um bêbado que me forçou enquanto eu trabalhava sozinha na plantação. E isso foi desobediência porque meus pais diziam que não era para ficar lá sozinha. Eu o odiava tanto que não gostaria de contar a ninguém. — A voz dela estava tremula, denunciando a emoção. — Eu queria me matar e acabar com esta vida, mas um dia numa de suas conversas com outras pessoas, eu escutei que Jesus nos ajudava na nossa dificuldade.

Eu apenas balancei a cabeça.

— As dores desse aborto são para eu lembrar o quanto uma vida dói. Dói tanto que ela se esvai quase nos levando junto. — Naquele instante, Iara chorou e sua amargura foi sentida por mim por meio de seu aperto aflito. — Essa é a dor da minha desobediência que carregarei para sempre comigo. Eu não imaginava que seria algo tão dilacerante, mas talvez deva fazer diferente diferente agora.

“Das trevas a luz” foi o que veio em minha mente. Da dor e da profunda tristeza, Deus erguia aquela jovem alma. Era uma experiência tão dura, porém nunca mais seria esquecida.

— É, para alguns de nós os ensinamentos são dados através de muitas dores, mas o importante é que a alma da sendo conservada.

— Então, você ora comigo?

Eu assenti e segurei sua mão.

— Senhor, não compreendemos teus caminhos, mas seu chamado para nós é que confiemos em sua sabedoria, bondade e amor. Que essa graça alcance Iara e a faça chama-la de filha, conservando sua alma até a eternidade. E nos dias que ela não compreender seus desígnios. Cure sua alma desse trauma — naquele instante, minha voz começava a embargar. — Que ela possa descansar debaixo de tuas asas. Amém!

— Amém — a voz dela estava sonolenta.

— Agora vou deixá-la descansar e voltarei outra vez para vê-la.

— Vou esperar e obrigada!

Segurei minha vara e levantei da cama com uma sensação mista de surpresa e reflexão. Como eu poderia achar que a salvação de uma pessoa aconteceria em situações assim? Realmente não sabemos nem o dia, a hora ou o modo que Deus opera seus milagres, fazendo-me entender, mais uma vez, que eu não tinha controle de nada.

🪵

Dois capítulos hoje porque deixei vocês muito tempo órfãs de capítulos!

Parece que a Lia está aprendendo com duras penas que a vida não é como ela acha que deve ser!

Uma Porta de EsperançaOnde histórias criam vida. Descubra agora