Capítulo 36

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LIA RODRIGUES:

Vivian sempre vinha me visitar quando podia. Começamos um estudo bíblico, com ela e suas duas amigas, todos participavam. Estava ocorrendo tudo bem até que certa noite ela declarou algo que nos deixou com as expectativas abaladas:

— Não tenho como escapar. Vou ter que voltar aos meus serviços.

— Não, Vivian, não faça isso. Deus dará uma solução. — Eu esperava no Senhor, mas o meu coração pesava por saber que se havia passado uma semana e nada tinha acontecido. Nós orávamos, porém não víamos nenhum mover de Deus.

— Mas como? — Ouvi as batidas das mãos dela no corpo. — José, o dono do bar, disse que dentro de dois dias me quer pronta de novo para trabalhar. Não quero fazer mais isso. — Vivian chorou em desespero ao meu lado.

— Confie que terá uma solução. — Segurei na mão dela. Eu dizia aquelas palavras mais para mim mesmo.

— Qual solução? Ah não ser que Deus rasgasse esse céu e se manifestasse em carne e osso a fim de fazer José voltar atrás. Não há como escapar.

Meu coração estava na mão e sinceramente não sabia mais o que fazer ou falar para que a fizesse confiar nas minhas palavras de que o Senhor era poderoso para fazer tudo que fosse necessário para nós.

— Vamos confiar. Por que não vai para casa e descansa?

Após um tempo calada, Vivian pronunciou:

— A noite está tão bonita, Lia.

— Deve estar mesmo. — Sorri levemente.
— Perdão havia me esquecido da sua condição — murmurou envergonhada.

— Não tem problema.

— Como é ser... — Ela pigarreou — cega?

— No início é um desespero, mas depois acostuma — expliquei a minha condição. — O Senhor Deus nos deu a graça de aprender a se adaptar às circunstâncias.

— Sente falta da sua visão?

— Com toda certeza. — A minha deficiência ainda me trazia tristeza, mas eu só podia confiar no Senhor.

— Acha que um dia poderá voltar a enxergar?

— Não sei, mas quero crer que sim. Se o Senhor quiser ele pode me curar. — Dei de ombros.

— Eu espero que ele queira — Vivian sussurrou.

— Eu também espero que faça justiça a quem me fez isso. Se fez de propósito é claro.

— Você não sabe?

— Não

— O que faria se encontrasse com a pessoa? — ela indagou curiosa.

— Não sei mesmo, mas tenho certeza que não teria uma boa reação — confessei meus sentimentos ainda um tanto endurecido acerca desse fato.

Ela não disse nada.

— Mas tudo ocorrerá no seu devido tempo — conclui.

— É sim... — Ela suspirou profundamente.

🪵

Dois dias haviam se passado e a hora de Vivian começar a trabalhar chegou. Já era de noite e pela manhã ela me disse que não teria mais como fugir. Precisava retornar às suas funções. Meu coração estava aflito, pois todos os dias nos víamos e eu procurava ensiná-la a confiar em Deus. Agora como? Se até a minha própria esperança estava ruindo em meio as incertezas sobre o que fazer.

Estava deitada na minha rede e não conseguia dormir, minha ansiedade e aflição chegavam a níveis altíssimos. Meu peito começou a apertar dentro de mim, e resolvi me ajoelhar e orar, apesar de minha consciência querer me convencer que aquilo era inútil, afinal já tinha orado tanto e não aconteceu.

— Senhor, nunca estive numa posição tão vulnerável. Onde parece que por mais que eu grite e suplique nenhuma palha se move. — Respirei fundo. — Por favor, livre a Vivian dessa vida. Ela não tem ninguém. Nós temos ensinado a sua palavra. Cumpre-a, Senhor. Ouve o clamor do aflito. Se Tu a salvou mostre a ela o seu poder. Como por permitir um salvo sofre nas mãos da prostituição novamente? Senhor, ela é tua!

Minha voz alterou naquele momento. A mistura de raiva e angústia se uniam e causavam uma ebulição dentro de mim.

— Faz algo, faz algo, não deixe a pequena fé dela esmorecer. Não a deixe, Senhor.

Eu estava soluçando. Minutos se passaram e senti como se alguém me dissesse: “Ore, ore mais”.

— Senhor, eu não sei mais o que orar, mas livra a Vivian do mal. Livrai-a de voltar para os laços do pecado. Liberte-a daquele bordel e todas as outras mulheres. — Eu lutava em oração. Meu coração começou a se agoniar uma sensação de agonia queria me sufocar. — Deus meu mostra o teu poder na vida dela e que ela saiba que pertence a ti e não mais a satanás...

Então ouvi o som estrondoso.

“Boom! Boom!”

Senti como se um clarão passasse por mim e um rompante de pessoas gritando muito alto.

A porta do meu quarto se abriu e ouvi:

— Fogo! Fogo! — A agitação dentro da casa começou.

Outra explosão: Boom! Boom!

O cheiro de fumaça era forte.

— Lia, levante. Vamos! — Nicolas me tirou da minha posição e me guiou para fora do quarto. Eu me encolhi com medo de tudo o que estava acontecendo. Ouvi as vozes de Jamile e Felipe que vieram ao nosso encontro e nos ajudaram a sair dali. A correria era tamanha.

— Meu Deus! Onde é esse fogo, Nicolas? — eu gritava em meio ao barulho dos gritos do pessoal da comunidade. Era desesperador.

— É no bar, Lia, e está consumindo as casas vizinhas — respondeu, e às pressas desceu as escadas comigo.

— A Vivian! — gritei e usei de força para me desvencilhar dos braços dele e corri tropeçando nas pedras a frente, mas Nicolas logo me segurou. Eu caí no chão pelo puxão que ele me deu.

— Não, Lia! Você não pode ir até lá. É perigoso. — Me segurou com firmeza.

— Mas e se ela... Meu Deus, não! — berrei aos prantos.

Não era isso que eu estava pensando ou orando.

— Nicolas, ela pode ter morrido! — Minha voz saiu mais abalada do que qualquer coisa. — Nicolas...

Ele me acolheu perto do seu peito e disse:

— Então, ela de fato foi livre para sempre.

Uma Porta de EsperançaOnde histórias criam vida. Descubra agora