Capítulo 20

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De manhã cedo, eu podia sentir o cheiro da mata e o calor ainda não tinha chegado ao seu ápice.  Pedi ao Nicolas que me levassem ao meu tronco, lá era um local de silêncio e eu podia conversar com Deus.

Ele me guiou e me deixou sozinha. Fiquei um tempo ali ouvindo o canto dos pássaros. Estava grata ao menos por ouvir as coisas e a conversa da noite anterior com Artur voltou a minha mente.

"Nem sempre vamos vencer a batalha". Isso era algo muito forte para qualquer ser humano admitir. Afinal, sempre fomos ensinados que a fé remove montanhas. Apesar disso não ser mentira, não se pode esquecer que Deus também usa do fracasso para nos aperfeiçoar mais. Tudo aquilo era difícil. Difícil demais!

Suspirei fundo ao constatar todas aquelas dificuldades no meu coração. Que Jesus me ajudasse a prosseguir todo dia. Enquanto ponderava sobre tudo, escutei:

— Você não foi embora? — Uma voz me perguntou. Mas não reconhecia, no entanto identifiquei que se tratava de uma mulher.

— Eu já deveria ter ido? — Virei a cabeça na direção da voz. Meu senso de direção vinha da audição agora.

— Sim, e se quiser meu conselho deveria partir logo. Pois, você não está nos seus melhores dias. — O timbre feminino declarou.

— Minha missão aqui não acabou – falei, não entendendo o porquê daquela mulher vir falar comigo assim.

— Essa missão não vai dar em nada. — O som da risada sarcástica me fez lembrar de alguém.

— Como tem tanta certeza assim? — Quis incentivá-la a falar para comprovar se era Vivian.

— O povo daqui é feito gelo, nunca conseguirá nada. Além do mais, depois que sofreu esse acidente ninguém fez nada. Vocês são patéticos! Voltem para o buraco de onde vieram — a expressão arrastada e debochada me fizeram ter certeza. 

— Só iremos quando Deus nos mandar voltar  — respondi, impaciente.

— Esse Deus é muito fraco, não acha? Ele nem impediu que ficasse sem a visão. Logo a serva tão fiel dele. — Ela riu de novo.  — Perdão, devemos ter compaixão das pessoas deficientes, não é mesmo? — Gargalhou alto.

Meu domínio próprio estava por um fio. Aquela menina era como uma pedra no meu sapato e enviada pelo maligno para me afrontar, só podia.

— O que quer, Vivian!

— Você me reconhece, hein? Muito bom! Eu sou mesmo inesquecível.

O deboche dela me fez respirar fundo. Estava farta da petulância daquela menina.

— Mas você perguntou o que quero, não é? Pois então, quero que vá embora! A casa que estão ocupando é grande e pretendemos mudar nosso estabelecimento para esse local, ficando bem maior e melhor.

— Que estabelecimento?

— O bar e acrescentar uns quartos para você sabe o qu. É claro, pois não é criança. E com certeza já experimentou. — respondeu com uma ousadia que me irritou dez vezes mais.

Ela não bastava ter sua vida devassa, ainda achava que todos eram como ela.

— Vocês são loucos! — Eu estava com o timbre alterado. — Com toda essa seca e problemas com adolescentes grávidas, vocês se voltam para prostituição, atraindo mais a ira de Deus. — Eu não suportava mais a rebeldia do ser humano.

— Eu não sei o que seu Deus já fez por nós. Mas meu corpo me dá muitos lucros e, como sou jovem, posso gerar por muitos anos ainda. — Sua satisfação era nítida.

— A prostituição não dá nada para você, mas tira tudo — rebati.

— Você, NÃO SABE NADA SOBRE MIM! — Gritou.

Vivian não possuía um pingo de sensatez e odiava quem fala a verdade na cara dela.

— E nem você sobre mim  — declarei nervosa. — No entanto, ousa vir até aqui me insultar.

— Lia, você me pagará caro. — Ameaçou. — Na verdade, só quero uma coisa. — Ela tomou fôlego.  — Aquele tenente.

— Meu Deus! — Eu apertei meu lábio inferior, precisa manter a compostura.

— Ele é tão lindo, cheiroso. — Suspirou. — Há tempos não vejo um homem como aquele. Ele faz tudo valer a pena.

— Deixe o Artur em paz! — Quis me levantar, mas não consegui e ouvi a risada.

— É uma pena que você não verá como vou conquistá-lo! Sei exatamente o que um homem precisa – assegurou. — Ele já está há um tempo aqui, deve sentir falta de uma mulher de verdade. Esses pobres só trabalham. Alguns soldados já estão nos visitando — informou.

— Você não sabe de nada. — Balancei a cabeça em negação e quase dei um grito.

— Eu tenho que ir, nos veremos depois. — Ela foi embora.

A minha mente divagou longe. O que iria acontecer? Uma mulher como essa não perdia quase nunca na sedução. Tinha real temor por Artur. Eu precisava da minha visão de volta. Não podia acreditar que possuía uma inimiga que lutava contra tudo que eu tinha. Deus me ajuda!

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