Capítulo 26

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Uma semana passou.

Quase todas as noites eu estava sofrendo com alguns pesadelos. Eles nunca foram tão frequentes. Por dias, uma dor aguda no peito perdurava e eu resolvi orar. Admito como minhas fraquezas e angústias acabaram me levando para longe do ato de orar. Eu não era dada a sofrer demais, porém eram tantas aflições que uma hora acabei me prostando.

O que fazer quando tudo parece não ter sentido nenhum? Quando a vida está uma tremenda confusão? Eu estava cega, apaixonada, responsável por jovens numa comunidade ribeirinha que sofria com uma seca extrema. As pessoas cujo coração não haviam se inclinado ao evangelho. Esse combate estava me fazendo sucumbir, pela primeira vez tive vontade querer voltar para casar e desistir. Eu não me sentia mais apta para desenvolver aquela missão. A impotência tinha tomado conta de todo o meu ser.

—  Senhor, o que fazer? Qual é a sua vontade para tudo isso? —  As minhas lágrimas escorriam pela face.

—  Tia Lia, por que está chorando tanto? —  Davi perguntou. Ele estava dormindo comigo esses tempos.

—  Estou triste, meu bem. Muito triste. — Eu abracei para mais perto de mim. Sua pequena presença trazia certo conforto.

—  O que a senhora vai fazer com toda essa tristeza?

—  Acho que voltarei para Manaus. Não tenho mais força para continuar aqui.

Os seus pequenos braços me envolveram.

—  A senhora não pode me abandonar aqui — ele falava entre choro.

Eu só o abracei em todas as minhas angústias, tinha esquecido que a minha vida agora era dividida com uma criança. Não abandonaria Davi certamente queria levá-lo comigo.

—  Se eu voltar, levarei você, meu querido — O abracei mais uma vez.

As minhas forças desabariam a qualquer momento. Talvez eu não tivesse estrutura para criar uma criança, no entanto Davi não tinha mais ninguém. Não poderia deixa-lo sozinho no mundo sem ninguém para o guiar na verdade. Com o tempo, ouvi sua respiração mais pesada e acredito que adormeceu.

Eu me levantei, tateei na parede para encontrar minha vara de apoio e segui para a sala. Sentei no sofá e afundei minha cabeça entre as mãos, dentro de mim buscava algum auxílio miraculoso. 

—  Não fique desta forma, Lia. —  a voz sonolenta de Jamile ecoou ao meu lado.

— O que faz acordada?

— Estava com dificuldades para dormir e ouvi você se levantando. — Ela suspirou. — O Senhor irá trazê-lo de volta. Tenha fé! — falou com pouca esperança.

— E se ele não trouxer? E se aquele dia foi a última vez que ouvi sua voz? — Cai em prantos. Não existiam palavras que pudessem consolar o meu coração.

— Não devemos sofrer por um futuro desconhecido — Jamile respondeu e colocou as mãos na minha costa, massageando-a.

Ouvi o ranger de uma porta e uma voz grave declarou:

— Jamile, poderia nos deixar a sós, por favor — Era Nicolas.

Desde aquela conversa, nós estávamos distantes. Eu respeitei seu espaço, afinal, ele era um homem crescido e qualquer que fosse a decisão dele, quem arcaria com as consequências seria o próprio.

— Tudo bem — Jamile respondeu. Ouvi seus passos se arrastando para longe no piso. 

Nicolas se sentou ao meu lado e senti seus braços me envolverem de lado, abraçando-me paternalmente. Chorei tanto com aquele gesto dele e meus soluços ficaram alto. Ele era o meu amigo de todas as horas.

— Oh, Lia!

— Nicolas, eu não sei mais o que fazer! Eu não tenho mais nada para fazer aqui. — Afoguei minhas lágrimas em sua camisa.

— Sabe, adorar a Deus significa aceitar e se submeter a vida que ele planejou pra nós. Pois o que ele requer de nós é obediência. — Suas palavras soaram com um tom de reflexão.

— Você está bem, Nicolas? — perguntei, erguendo a cabeça. — Tem andado tão afastado ultimamente. Se ofendeu tanto com minhas palavras?

Escutei uma leve risada.

— Não me ofendi. Eu só estava cansado, extremamente, cansado. Naquele dia, tínhamos voltado de um evangelismo fracassado, se posso dizer assim. — Ele soltou o ar pesado. — Na volta, uma das amigas de Vivian me parou e começou a conversar. De início, realmente ela tentou querer usar suas táticas de sedução, mas percebeu meu olhar sério e desistiu. Ela pediu depois para orar por sua mãe que estava doente e até por Vivian que, segundo ela, estava passando por muita dificuldade.

— Por que você não me contou isso na hora?

— Porque já veio sugerindo que eu poderia estar encantado com a jovem e até me deixar seduzir. — Eu podia sentir o sobe-desce do seu peito. — E como estava cansando acabei não querendo me justificar.

— É culpa minha. — Mais lágrimas caíram. — Eu e minha mania de julgar tudo de primeira sem ao menos dar a chance de conhecer a situação em todas as versões. Fiz isso com Artur e quase o afastei totalmente.

— É, realmente é algo que você tem que mudar.

— Nessa hora, era para você dizer: “Que nada, Lia, você é perfeita!”

Ouvi sua risada no ar.

— Aí estaria mentindo contra Deus. Porque está bem longe da verdade!

Eu ri, pela primeira vez, naqueles dias. Nicolas sempre me fazia muito bem.

— Obrigada pelas sábias palavras. Mas eu nunca pensei que pudesse sofrer tanto assim.

— Deus permite o sofrimento para que aprendamos a depender mais dele.

O abracei novamente, mas desta vez o pranto de dor já havia melhorado.

— Nicolas, obrigada por ser um amigo verdadeiro.

— Devemos ser para os outros o que Deus é para nós!

🪵

Depois de um tempo, voltamos! Vamos concluir essa história!

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