Capítulo 35: Falsas

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A polícia estava demorando demais para chegar. Elena, agora vestida com calças de moletom, me fitava com o olhar amedrontado. Alguém esmurrava nossa porta, e não tínhamos mais por onde sair. O minúsculo apartamento não tinha nem ao menos uma bancada. As batidas ficaram mais fortes, até uma voz finalmente disse:

– Leonard! – Era de mulher, eu soube imediatamente, e havia algo estranhamente familiar nela. – Abra a porta! Precisamos conversar!

– Quem é você?

Não obtive resposta. Encostei a cabeça na porta e observei pelo olho mágico. A porta da escada terminou de fechar no momento exato em que as do elevador abriram. Dois polícias uniformizados saíram e vieram direto para minha porta. Tocaram a campainha e eu abri a porta quase imediatamente; sentamos à mesa e contei para eles o que havia acontecido, enquanto Elena fazia café para eles.

Por alguma estranha razão de meu subconsciente, eu não contei para eles que vi a visitante descendo pela escada de emergência. Nem mesmo contei para Elena, a garota que conhecia todos os meus segredos. Esperei que eles fossem embora; naquele dia, Elena tinha uma entrevista de emprego em um hospital na Santa Cecília, enquanto eu estava de folga.

Enquanto ela se arrumava para sair, eu preparei um café da manhã reforçado, pois tínhamos passado boa parte da noite acordados. Tomamos café juntos, em seguida, ela saiu e eu tomei banho.

O cair da água quente em meus ombros fazia meus pensamentos rolarem em minha mente. Eu não conseguia pensar em nada que não envolvesse nossa visita. Aquela voz era simplesmente muito parecida com alguma outra que eu tinha ouvido no passado, mas eu não sabia a quem pertencia. E a dúvida estava acabando comigo.

Deixei o apartamento e desci os cinco andares de escada. Eu não sabia o que esperar, mas sabia que tinha de tentar encontrar a pessoa que esmurrou nossa porta. Desci devagar, olhando ao meu redor. Nos primeiros três andares, não vi coisa alguma. Contudo, a porta do segundo andar estava entreaberta; não era comum que elas ficassem daquela maneira. De fato, nunca a vi aberta. As pessoas não costumavam usar as escadas, pois preferiam o elevador.

Resolvi adentrar no andar. Todas as portas estavam fechadas e, provavelmente, trancadas. Exceto uma. O apartamento vinte e três estava em reforma. Sua porta havia sido retirada para ser substituída; em seu lugar, um plástico semitransparente que refletia a luz do sol batendo dentro do apartamento. Era o cenário perfeito de um filme de terror, e eu estava indo diretamente para ele.

Despedi-me mentalmente de minha família e de Elena. Assim que entrasse naquele apartamento, eu seria brutalmente assassinado.

Quando entrei, uma suave música tocava. Estava no refrão, e eu a conhecia muito, muito bem. November Rain de Guns n' Roses foi uma música que fez parte dos meus anos no Colégio Andersen, principalmente antes de conhecer Elena e antes de... A última vez que ouvi essa música foi justamente quando me despedi dela.

Interrompi meus pensamentos. Fazia muito tempo que eu não pensava nela. Era simplesmente muito doloroso, mesmo depois de tantos anos.

Segui a música pelos cômodos, que eram cinco. Se comparando com meu apartamento, eu estava no quarto principal – mas naquele andar, havia sido dividido em dois menores. Uma caixa de som conectada a um tocador de MP3 estava sobre um banco de madeira. Desliguei o aparelho. O silêncio dominou o imóvel e eu ouvi os passos no corredor. Corri.

Ela estava parada no fim dele. Sua pele pálida, como se todo o sangue havia sido retirado de seu corpo. Os cabelos, antes pretos, estavam quebradiços num tom doentio de cinza. Seus olhos, contudo, tinham tanta vida quando no último dia antes de sua... Outra vez, impedi meus pensamentos.

Afterlife: HeartlessOnde histórias criam vida. Descubra agora