O Ritual - & (Kaus)

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MAIA ESTAVA POR PERTO, isso era fato, eu conseguia sentir sua presença putrefaz rodeando a casa

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MAIA ESTAVA POR PERTO, isso era fato, eu conseguia sentir sua presença putrefaz rodeando a casa. Ela iria entrar uma hora ou outra, só estava esperando que eu baixasse guarda. Quando a percebi passando pela porta da frente, a abri sem hesitação, dando de cara com uma mulher pequena de olhos azuis e grandes e magra demais. Era possível ver os ossos da maçã do rosto saltados, assim como seu colar de ossos bem protuberantes. Seus olhos pareciam estar colados de maneira estranha no rosto, como se eles fossem duas bolas de golf.

— Pensei que nunca fosse tomar coragem de vir aqui. – disse abrindo a porta e lhe dando espaço para entrar.

Maia adentrou a casa e percebi que seus grandes olhos vagaram todos os cantos da sala.

— Já estava na hora de nos apresentarmos formalmente. Onde está seu irmão?

Engoli seco e uma pontada de ciúmes e tristeza ao dizer:

— Talvez com a noiva.

Não dizer o nome dela parecia mais fácil para esquecer. Se eu lhe tratasse por Helena, talvez começasse a chorar como uma mulherzinha.

Maia sorriu traiçoeira, mostrando os dentes amarelados e com um vão tão grande que chegava a passar um palito de dente no meio. Ela podia sentir o ciúme emanando de meus poros. Vi os ossos de suas pernas quase se entortarem quando ela se sentou numa poltrona de tecido que ficava perto da lareira e tive que reprimir a vontade de perguntar se ela não se alimentava nunca.

— Isso é bom, mas o que tenho para falar é só com você.

Revirei os olhos e cruzei os braços.

— Eu sei. Fui eu quem a chamou.

Ela levantou as sobrancelhas.

— E como sabe sobre mim? – perguntou com a voz metálica.

— Todos sabem.

Ela riu parecendo satisfeita com a resposta e se levantou vindo até perto de mim, passando as mãos eletrizadas pelos meus braços, parecendo roubar energia de mim. Enquanto ficava tão cansado a ponto de não conseguir mais me sustentar em pé, pude ver que a cor de seus cabelos ficou mais brilhante, assim como sua pele que se tornara mais cheia de vida e menos pastosa. Mas ainda assim continuava uma criatura maldosa e feia.

— Muito bem, querido, o que vai querer de mim?

— Quero me tornar um demônio de novo.

— Pois bem – ela não parecia nem um pouco chocada com esse pedido.

Maia bateu palmas duas vezes e as luzes se apagaram, fazendo com que as velas fossem acesas por todo o cômodo, nos mergulhando em uma escuridão agradável e tenebrosa.

— Todo pedido tem suas consequências. – ela avisou. — Está disposto a encarar as dessa mudança?

Respirei fundo e juntei as mãos, sentindo o coração bater forte.

— Estou.

Maia sorriu maliciosa e imediatamente pude ver seus olhos ficando escuros. Eu já tinha preparado tudo para aquele ritual e uma sensação ruim batia secamente em meu estômago, de alguma coisa não sairia certo.

Ela pegou o sal de cima da bancada da cozinha e fez um círculo grande o suficiente para caber nós dois, me mandando sentar no chão. Sem hesitar fiz o que ela me mandou, o que foi difícil por causa da fraqueza nas pernas. Maia colocou um enfeite parecendo um espelho feio e velho na minha frente e abriu um corte profundo em sua mão, fazendo o sangue pingar em uma vasilha de barro toda cheia de detalhes, pegando um punhado com os dedos e passando em meu peito despido. Eu não tinha como me afastar. Algo me impedia de que eu me movesse.

— Está ciente das mudanças que seu corpo irá fazer? – perguntou com a voz abalada, abrindo os braços e se sentando no lado oposto ao que eu estava, passando as mãos sem realmente me tocar, por meu rosto e ombros.

Senti um formigamento de leve nas pernas e braços, deixando meus pelos arrepiados. E encarei meu reflexo no espelho, temendo que se fechasse os olhos talvez nunca mais os abrisse.

Euronymous, si hoc feceris, ego postulo. – ela dizia em latim.

Minha visão ficou turva e comecei a ter lapsos de memória. O que eu estava fazendo? Por que eu estava fazendo aquilo?

Maia fez uma criatura vestida completamente de branco e com buracos no lugar dos olhos surgir atrás de mim, pude ver pelo espelho, e fez uma reverência onde se curvava quase que inteiramente e entregava a vasilha à criatura, por cima de minha cabeça. Quando a levou aos lábios rachados e ocos minha visão se tornou um breu completo. Um ruído maldito me fez tapar os ouvidos. Senti um líquido escapando por minhas orelhas e quando levei os dedos à boca senti o gosto do sangue.

Como eu havia ido parar ali? E no meio de um ritual completamente inútil.

Quis avisar Maia que não conseguia mais enxergar e não estava de acordo com regras para me tornar novamente um demônio. Para me tornar aquilo eu teria que morrer, não? Mas seria uma das regras ter de me tornar cego?

Renati, nocte volucri! – ela gritou e tudo se fez silêncio.

Uma queimação começou a crescer desde meu pé, e minha visão voltou. Respirei aliviado e tateei os ouvidos procurando qualquer resquício de sangue. Não tinha nada. Coloquei as mãos no peito e senti o coração batendo fraco. Uma onda de desapontamento cruzou meu rosto.

— Não deu certo. – reclamei.

A criatura atrás de mim havia desaparecido, assim como a vitalidade. Eu tinha certeza de que aquilo iria funcionar, mas parecia mentira. Senti minha cabeça ser pressionada por seus dedos finos e ela sussurrou mais algumas palavras em latim que eu não pude ouvir, de olhos fechados e bem concentrada no que fazia, e eu vi a oportunidade de lhe perguntar:

— Quais são as consequências desse ritual?

Ela abriu os olhos grandes para mim e bateu os cílios grandes juntos até eles parecerem grudar uns aos outros.

— Você e seu irmão vão estar ligados pela única lembrança da pessoa que lhes botou no mundo. – ela deu uma pausa e respirou. — Pelo anel e o colar.

— Isso não é uma consequência, é uma coisa inevitável. – suspirei quase sem ar.

Observei Maia sorrir de leve, sem mostrar a fenda entre os dentes e esticar as mãos em minha direção.

— Eu consigo sentir todo o amor que você sente por Helena, Kaus, - ela disse e colocou a mão no peito. — bem aqui. É forte e saboroso.

Comecei a me distanciar dela, mas algo me impedia de sair do círculo. Eu estava mexendo com magia negra, e definitivamente não conseguir sair dali significava que a sessão tortura ainda não tinha acabado, afinal de contas, meu coração ainda batia.

Parecendo se recompor, Maia aproximou-se mais uma vez de mim, e acariciou minha bochecha de leve, deixando os dedos finos demais roçarem por um tempo além do confortável, murmurando baixo:

— Mas não se preocupe, você irá se esquecer.

— Esquecer-me do quê? – perguntei com a voz se elevando a cada segundo.

Maia apertou a lateral de meu pescoço, fazendo uma pressão desagradável, que me impedia de respirar.

— De Helena.

Antes que eu pudesse fazer objeção ou esboçar qualquer reação, Maia quebrou meu pescoço.

A CaçadoraOnde histórias criam vida. Descubra agora