Coloco o último par de sapatos na minha mala. Mamãe já arrumou a dela e a de minha irmã. Mas eu prefiro fazer tudo lentamente, aproveitar até o último minutinho no lugar que chamo de lar. Respiro fundo, uma, duas vezes...
Como pode um lugar que carrega não só lembranças boas, como também lembranças nem tão boas, ser tão querido?
Tantas coisas já vivi nesse lugar... Coisas que prefiro lembrar e outras que prefiro esquecer.
É realmente um passo muito grande sair daqui. É uma sensação de perda. Talvez seja o costume de morar no mesmo lugar por tanto tempo. Mas sei que tudo é providência e se temos que sair daqui é porque é o tempo, não o meu, nem de mamãe, mas o tempo do Senhor nas nossas vidas.
Dobro meus joelhos em um canto da parede — doamos todos os móveis porque lá também teremos moradia—, e inicio uma oração:
— Senhor, entro em Tua presença em nome de Seu Filho amado Jesus, para te agradecer por tudo o que o Senhor tem feito por nós. E mesmo que eu não entenda Seus planos, eu confio. Peço que nos guie e ajude nessa nova jornada. Te agradeço mais uma vez por essa porta aberta, obrigado por cuidar tão bem de mim mesmo eu não merecendo. Nos guarde nessa viagem, e que aonde quer que eu vá possa levar a Sua mensagem, Sua luz comigo. Amém"
Me levanto já pegando a mala. No mesmo instante, mamãe vem me chamar.
— Melina, já terminou? O motorista já está aí!
—Estava orando, mãe — Sorrio.
— Somente Ele pode nos conduzir nessa viagem. Tenhamos fé. — Ela sorri, segurando minha mão livre.
Admiro minha mãe, uma mulher de fé, mesmo em meio as adversidades. Acho-a tão linda, por dentro e por fora. Infelizmente meu pai se manteve cego, tentando não enxergar isso. Depois de tudo que ela já fez por ele, ele escolheu deixá -la. Ou melhor, nos deixar. Há quatro anos ele foi embora com outra, Isa ainda nem tinha nascido, eu já havia perdido meu emprego... Além disso, mamãe nunca pôde trabalhar registrado pois só foi até a quinta série, mas trabalhava com faxinas, o que também já não fazia com tanta frequência pois raramente surgiam oportunidades. As coisas ficaram apertadas e as dificuldades foram apenas um pretexto pra ele ir embora. Mas não guardo rancor, creio que Deus ainda tem planos na vida dele.
— Mãe, cadê a Isabella?— Pergunto.
— Está com a Miranda lá fora. Ela veio se despedir— Miranda é uma irmã da nossa igreja e minha melhor amiga. Ela não compareceu no culto de ontem, onde me despedi de todos.
Vou sentir falta dos meus irmãos, mas sei que o Senhor há de preparar um outro ministério no qual eu possa congregar.
Seguimos até a porta, onde encontramos o sr. Jandir, dono da casa. Miranda vem me abraçar.
— Ai amiga! — Ela me abraça com os olhos cheios de lágrimas.— Vou sentir tanto a sua falta. Me manda notícias por favor.
— Eu também. — Me controlo pra não chorar. O que não dá certo — Eu vou mandar sim... — Retribuo o abraço.
Caminho em direção ao sr. Jandir.
— Obrigada por tudo, viu?— Abraço-o também.
Jandir é um irmão de 67 anos. Compartilhamos da mesma fé e ele sempre nos ajudou quando precisamos, durante esses três anos. Deixava acumular mais de quatro meses de aluguel. Foram muitos altos e baixos. Às vezes a situação estabilizava, às vezes piorava... Dessa vez o contrato venceu e logo no dia seguinte conseguimos essa oportunidade de emprego.
— Sabem que se eu pudesse renovaria o contrato, não sabem?
— Sabemos sr. Jandir. Mas Deus nos abriu novas portas. Lá teremos como nos sustentar melhor, e o senhor não terá mais que se preocupar. — Mamãe sorri e eu concordo, sorrindo também .
— Não é incomodo algum. Mas que seja feita a vontade dEle. Vão na paz, minhas irmãs. — Ele sorri, ternamente.
Miranda não me larga, enquanto Isabella brinca com a barra de meu vestido.
— Vamos que o motorista está esperando— Diz mamãe, depois de se despedir dos dois.
— Tchau sr. Jandir. — Digo, chorando.
Eu e Miranda nos abraçamos com todas as nossas forças. Não dizemos mais nada pois as lágrimas não deixam. Isso é porque eu não queria chorar...
Pego Isabella no colo e entro no carro enquanto o motorista ajuda mamãe a colocar as malas no bagageiro. Aceno para Miranda e sr. Jandir.
Mamãe e o motorista entram no carro e ele dá partida.
"E assim quando meus olhos carnais não veem saída, me refugio em Ti Senhor"- Emilly Assunção ❤
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Verdadeiro Amor
HumorMelina sabe que os planos de Deus são maiores que os dela e as dificuldades não são capazes de ofuscar o poder do Criador em sua vida. Otávio Montanari é um advogado renomado, tem um grande patrimônio líquido, uma casa enorme e todos os privilégios...