Folhas de Outono

Primeiro dia de aula

Era uma manhã de outono muito gelada. Tão fria que o sol queria mostrar seu poder, mas a nada aquecia, nem mesmo as minhas lembranças de um passado ruim. Estou em um país que não é meu, não conheço ninguém e a cada passo me sinto mais estranha. Não me encaixo a este local ainda.

     Fui resgatada do meu país para me livrar da vida que eu supostamente tinha. É um passado tão ruim não deve ser chamado de "Vida". Me trouxeram para Framlingham na esperança de me dar uma nova vida e começar do zero. Já me matricularam em um colégio, o Thomas Mills High School, e não tenho esperanças de que me tratem melhor do que nos cinco colégios que passei anteriormente. Fui expulsa de três, por mau comportamento, e nos outros dois o meu pai me tirou por livre e espontânea vontade. Não quero entrar em detalhes do por que odeio tanto minha sobrevivência anterior, apenas queria apagar e enfim, viver.

Cheguei aqui há uma semana e já estou pronta para desfrutar do meu primeiro dia de aula. Não perdi tempo conhecendo a cidade, por mais que Mary insistisse. O máximo que conheci, foi uma pequena cafeteria no fim da rua. Preferi usar um velho caderno que havia trazido do Brasil, para Mary ainda não gastar seu dinheiro comigo. Ela me deu uma caneta já usada, junto com um lápis pela metade e, segundo ela, os livros ficavam na escola. Coloquei a minha roupa de "domingo", por ser considerada a em melhor estado para sair. Nada muito elaborado. Um jeans, uma blusa xadrez vermelha e preta, e um tênis preto. Fui andando sozinha para a escola, pois Mary já havia me mostrado o caminho no dia anterior.

Sobre Mary, ela que me trouxe para Framlingham. Seu nome, Mary Lane. Idade, 54 anos. Sem filhos, sem marido, estamos vivendo um processo de adoção. Nunca ninguém havia me tratado e me recebido tão bem quanto ela. Olhos verdes, loira, com os cabelos já tingidos para esconder os brancos, mas eles ainda insistiam em aparecer na raiz.

Cheguei na escola e parecia que eu estava no horário de pico, onde todos corriam para a porta principal. Várias pessoas e grupos de amigos, e eu ali, andando sozinha entre eles. O ano letivo já tinha começado, mas eu preferia acreditar que não era a única novata da semana. Não parei para observar ninguém em especial, não gravei rostos e as pessoas pareciam muito iguais umas as outras, mas ainda assim, eu avistei um menino ruivo, sentado no corrimão de concreto da escada principal da escola, tocando seu violão. Conforme eu fui subindo os degraus, pude reparar em completamente tudo sobre esse menino e até parei de andar, no intervalo da escada, e as pessoas começaram a esbarrar em mim, o que me obrigava a dar pequenas passadas. O som do violão passava sem maiores dificuldades entre o falatório das pessoas e chegava a meus ouvidos. Ele olhou para mim, enquanto eu observada seus dedos tocarem o violão. Quando levantei meus olhos, observei que os olhos azuis do menino estavam em mim, sem parar de dedilhar as cordas. Por reflexo, abaixei a cabeça e voltei a andar, nervosa, querendo fugir dali.

Ao passar pela porta, o som ficou mais abafado e vi corredores, muitos corredores. Eu não fazia ideia de onde era meu armário para pegar os livros que, de acordo com a informação que diretora passou para Mary, já estariam lá. Eu olhava o pequeno pedaço de papel escrito "armário 287 B - senha 20079393" e comparava com alguns armários que eu havia encontrado pela frente. E o meu parecia longe de ser um deles.

"Perdida?" - Disse a voz atrás de mim.

Demorei para notar que era comigo e me virei. Vi o menino ruivo, com o violão pendurado nas costas, bem na minha frente. Sem dizer nada, mostrei o papel para ele, sem nem lembrar que no mesmo havia a senha. Ele também não disse nada e me devolveu o papel, fazendo um sinal com a cabeça para que eu seguisse-o, e gentilmente, ele me levou até o lugar certo. Parei em frente o armário e conferi o número duas vezes, dando rápidas olhadas nos armários ao redor para calcular a ordem de contagem.