XXVI - Hospital.

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-Sou só eu e você. - Me sentei no braço da cadeira de Edgar, que sorriu e espalmou a mão em minha coxa, dando-me uma suave batidinha. Ele parecia mais cansado que o normal. Mamãe havia viajado à negócios. Ela era insubstituível no caso, os clientes haviam a exigido. Fitei papai, seus lábios estavam secos e arroxeados e seus olhos entreabertos. - Está com fome? - Ele negou com a cabeça e fechou os olhos.

-Com sede... Pode por favor... - Ele não precisou terminar. Eu havia me levantado e caminhado para pegar um copo de água. O entreguei e o ajudei beber. Suas mãos não estavam firmes, elas tremiam bastante. Passei a mão por seu cabelo, em forma de carinho. Minhas mãos tremeram ao sentir uma grande quantidade de cabelo simplesmente ficar em minha mão. Pisquei algumas vezes, encarando-a com terror.

Meu pai sempre foi o tipo de homem honrado e independente. Ele abriu a própria empresa, tudo do zero, e construiu um império. Sempre ajudou todos à sua volta. Agora Edgar mal conseguia beber água sem derrama-la. Ele precisava de ajuda para absolutamente tudo. Eu estava cogitando em desistir da faculdade por um tempo, até vê-lo bem. Minha mãe precisava trabalhar, a empresa sempre dependeu dos dois e agora Tereza estava se virando sozinha. Edgar sempre tentava esboçar um sorriso e passar segurança, mesmo sentindo muita dor. Os médicos estavam otimistas quanto à remissão, mas que ele passaria por essa fase terrível primeiro. Seria a pior fase do tratamento. Edgar sempre foi um homem cauteloso, fazia exames semestrais, o que possibilitou descobrir o câncer no seu estágio inicial, o que possibilitou a palavra "cura".

-Sam... - Ele disse baixo. Me aproximei para ouvir. - Não precisa ficar aqui comigo. Você tem uma vida. Sophie me contou que eles iriam viajar esse final de semana, hoje à noite... Não quero deixa-la presa... - Ele falava lentamente, para não consumir todo seu folego. Pisquei algumas vezes e balancei a cabeça negativamente.

-Eu não quero viajar com eles, quero passar um tempo com meu pai. - Fiz uma pausa - Vamos assistir um filme? - Ele assentiu, sorrindo brevemente. O auxiliei até a poltrona, na sala de TV. Coloquei um filme e me joguei no sofá, ao lado

Meus devaneios começaram e logo um nome pairou minha mente. Billie. Estávamos em um clima estranho. Havia se passado uma semana dês da casa do lago. Ela fazia questão de sair toda vez que eu chegava. Trocamos duas palavras a semana inteira. Até quando minha caneta caiu ela não disse nada, apenas me deu um cutucão na minha costela e estendeu o utensilio. Uma das duas palavras foi um xingamento que eu proferi com aquele cutucão. Ela estava literalmente me evitando na cara dura. Seu sorriso se dissipava instantaneamente com minha presença. Quando cheguei para tentar conversar ela só falou "atrasada" inteirando as duas palavras. Eu estava confusa e totalmente desnorteada. Eu iria superar, espero eu.

Abri meus olhos com som de tosse. Me sentei rapidamente. Olhei para sua poltrona, não o vendo. Um desespero começou a me tomar. Me levantei rapidamente e pude vê-lo escorado na parede, sentado no chão. Eu havia dormido. Uma culpa me veio com tanta força que eu achei que cairia. Caminhei desesperadamente até Edgar, o levantando com delicadeza. Passei seu braço sobre meu pescoço o ajudei a voltar, lentamente, para sua poltrona. Meus olhos estavam repletos de lágrimas. Ele tossia incessantemente.

-Pai... - Eu disse segurando dos dois lados de seu rosto.

-Acho melhor irmos para o hospital. - Ele segurou em meu ombro. Pude sentir sua mão gelada e tremula. Limpei meu rosto, repleto de lágrimas, e me ergui. Agarrei meu telefone e disquei por ajuda.

Eles haviam o levado para uma sala, talvez precisaria de uma cirurgia. Eu estava sentada no corredor, aos prantos. Minhas mãos tremiam e meus pensamentos não paravam um segundo. Como eu pude dormir assim? As lágrimas embaçaram tanto minha visão que não percebi a aproximação da médica. Ela tirou o jaleco e sentou-se ao meu lado. Funguei, não conseguindo evitar os soluços.

O azul dos teus olhos  (Billie Eilish)Onde histórias criam vida. Descubra agora