III - Amigas? Talvez.

4.6K 448 196
                                    


Eu estava sozinha, finalmente. A sala de monitoria não era muito frequentada, então aquele tempo de paz longe de casa me fazia bem. Meu rosto estava completamente inchado e vermelho, meus olhos repletos de lágrimas. Meu despertador tocou, e o tempo de paz havia acabado. Outras pessoas usariam a sala. Limpei meu rosto e sai dali, antes que alguém chegasse. Eu nem queria tantas horas extracurriculares. Eu só queria me ocupar com o máximo de coisas possíveis.

Eu estava completamente encharcada. A corrida de hoje havia valido à pena. Tão efetiva quanto chorar durante quase duas horas seguidas. Caminhei até o vestiário, eu sentia a exaustão. Não tinha tantas pessoas. Me sentei em um banco, próximo ao meu armário. Eu esperaria todos finalmente irem embora, para que eu pudesse tomar um longo e pacifico banho. Quando finalmente meu banho estava acontecendo, escutei a porta do vestiário se abrindo. Engoli em seco e xinguei várias vezes mentalmente. Me enrolei rapidamente em minha toalha e saí do meu box, caminhando rapidamente até meu armário. Havia uma pessoa encolhida e encostada em frente ao meu armário. Que ótimo, tantos lugares... Justo ali. Ela estava abraçando os próprios joelhos. O capuz cobria sua cabeça. Não era uma pessoa muito alta. Estava rezando para que nenhum homem tivesse invadido o vestiário. Minha respiração estava ofegante, minhas mãos tremiam. Eu não ficava confortável em ficar de toalha na frente de qualquer pessoa, basicamente nenhuma. Me aproximei, já que estava escuro, para ver melhor e poder chegar até meu armário. Gotas geladas de meu cabelo escorriam por minhas costas, me fazendo arrepiar por inteiro. Estava frio e eu havia acabado de tomar um banho quente.

-Achei que não tinha ninguém aqui. - Reconheci sua voz, era a menina de cabelos azuis. O que apenas intensificou meu nervosismo.

-Eu também. - Quando vi, já tinha falado. Pude perceber movimentos repetitivos em seu ombro direito. Pude perceber seu corpo começar a tremer por inteiro. Engoli em seco. - Tá tudo bem?

-Só sai logo daqui. - Ela rosnou. Senti uma pontada em meu peito, juntamente um ódio me tomar.

-Você está encostada no meu armário, não posso sair só de toalha por aí. - Eu disse no mesmo tom de voz que ela. Cruzei os braços abaixo dos seios. Eu estava quase tremendo de frio. Pude perceber que ela estava se levantando, com certa dificuldade. Ela não parecia conseguir controlar seus movimentos nos ombros. O capuz caiu para trás, então pude ver seu rosto suavemente vermelho. Suas sobrancelhas se movimentavam para cima e para baixo. Seu olho esquerdo se fechava com mais intensidade que o direito. Eu reconheci aquilo.

-Vai ficar me encarando ou pegar logo suas coisas. - Ela se virou de costas, colocando o capuz de volta.

-Se você ficar nervosa, vai piorar. - Eu disse baixo, caminhando até o armário. - Ficar sozinha também piora...

-O que você sabe sobre isso? - Ela se virou de uma vez. Os movimentos pareciam ficar cada vez mais intensos, ela estava visivelmente nervosa.

-Meu irmão, ele tinha. Eu tinha que passar horas abraçando-o, pra ele não se bater. - Ela ficou em silencio. - Vou te deixar em paz...

-Pode ficar? - Ela suspirou, sentando-se no banco.

-Só vou trocar de roupa, se puder você sabe... Se virar. - Ela rolou os olhos e ficou de costas para mim.

Estávamos sentadas no banco, apenas em silencio. Aos poucos seus movimentos repentinos iam diminuindo. Ela me olhou, seus olhos estavam avermelhados e sua pupila dilatada.

-Você disse que ele tinha... - Pisquei algumas vezes. - Parou de ter? - Eu fiquei calada por alguns segundos. Eu ainda não falava sobre isso.

-Ele morreu. - Eu disse baixo. Era a primeira vez que eu consegui dizer isso em voz alta. Um aperto tomou conta de meu peito. Em minha casa não se falava mais sobre isso, não comigo. Eu havia entrado em uma bolha, me ocupando até não conseguir nem lembrar sobre o assunto.

-De tourret? - Ela arregalou os olhos. Balancei a cabeça negativamente.

-Ano passado, acidente de carro. - Eu disse com certa dificuldade, minha voz estava falha.

-Eu não queria... - Ela começou.

-Tá. - A cortei. Eu não queria encompridar aquilo.

-Quer uma carona? - Ela soou gentil. - Já escureceu... Minha mãe vem me pegar, ela pode te deixar em casa.

-Eu vou ligar para Noah vir me buscar... Obrigada. - Sorri agradecida.

Caminhei lentamente até o lado de fora da escola. Noah finalmente atendeu o telefone.

-Pode me pegar aqui no colégio? - Abracei meu próprio corpo. Eu estava com uma fina blusa de frio. Um vento cortante passava por mim. Me xinguei internamente, por não ter pego algo mais quente para vestir.

-Estou aqui na casa da Sophie, está tendo uma pequena resenha. Vou aí te buscar, quer vir pra cá? - Engoli em saco. Eu só queria ficar sozinha.

-Não... Acabei de me lembrar, meu pai vai passar aqui... Ele saiu mais tarde do trabalho hoje...

-Sam... - Desliguei o telefone e o enfiei dentro da bolsa e respirei fundo, sentindo aquele ar gelado percorrer por meus pulmões. Eu definitivamente não queria ver Sophie por agora.

-Nossa presidente é tão dedicada. - Uma voz masculina e grave soou atrás de mim. Me virei quase imediatamente, sentindo meu coração acelerar suas batidas. Era Thomas. - Temos sorte, não é Billie? - Ele se dirigiu à menina de cabelos azuis. Ela sorriu e assentiu.

-Obrigada. - Eu disse baixo, voltando a me virar. Fechei os olhos com força. Aquilo não podia realmente estar acontecendo. O céu estava nublado, e cheirava à terra molhada. Choveria em breve. Resgatei meu celular e disquei o número da minha mãe. Caiu direto na mensagem eletrônica. Meu estomago estava se revirando cada vez mais. - Por favor... - Eu disse bem baixo, discando o do meu pai.

-Oi querida. - Uma tranquilidade me invadiu, ao ouvir sua voz.

-Pai. - Minha voz saiu esganiçada e extremamente fina. - Pode me pegar aqui no colégio?

-Filha... Está tudo bem?

-Claro, só fiquei até mais tarde hoje...

-Esqueceu que estou viajando? Volto amanhã Samanta... Nós nos despedimos hoje cedo... - Fechei meus olhos com certa força, eu havia esquecido completamente.

-Eu havia entendido que você chegaria hoje mesmo, me desculpa. - Respirei fundo. - Te ligo mais tarde... - Desliguei o telefone. Tentando bolar uma solução para esse pequeno problema.

-Quer uma carona? - Thomas ficou ao meu lado. Me virei, para encara-lo.

-Eu vou andando, não precisa.

-Vou levar a Billie, posso te deixar em casa... - Thomas era amigo próximo de meu irmão. Ele sabia onde eu morava. - Vocês moram perto...

-Minha mãe foi para um clube no livro... - Ela disse baixo, me virei para encara-la.

-Hoje é quinta... - Coloquei a mão na testa. - Clube do livro. - Onde estava minha cabeça? Respirei fundo e engoli em seco. Eu ficaria sozinha até as 23:00. Droga Samanta...

-Se não for te atrapalhar... - Eu disse baixo, sentindo outra brisa gelada passar por meu rosto.  

O azul dos teus olhos  (Billie Eilish)Onde histórias criam vida. Descubra agora