40. O Bom amigo

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Paul andou pelo corredor do hospital secando com as palmas das mãos as lágrimas que teimavam em queimar sua face. Amava Lynn com todas as suas forças, apesar de tudo, apesar da traição, da gravidez. Não conseguia enxergá-la como uma pessoa má. Talvez ela houvesse mesmo cometido apenas um deslize, que seria esquecido em breve, se não fosse a gravidez. Mesmo tentando dar à Lynn o benefício da dúvida, pensava que entre Edward e Lynn existia um elo muito forte e indestrutível, que não era Ceci. O que existia entre os dois era algo inexplicável, visto a olho nu. Ele só não conseguia acreditar que fora tão iludido por todos esse anos. Talvez sua cegueira houvesse contribuído para que sua esposa se afastasse dele. Ele só pensara em si mesmo todo esse tempo, questionando constantemente seu próprio papel em sua família, hesitando em ocupar a posição que Lynn tão ansiosamente esperava dele. Ele gostaria de ter se entregado por completo aquele casamento, ao invés de deixar os anos passarem em uma eterna névoa de dúvida. Se ele tivesse assumido o papel de pai de Cecilia, se tivesse ficado do lado de Lynn todo esse tempo, será que as coisas teriam sido diferentes?

De longe avistou Igor com os cotovelos apoiados nos joelhos. Estivera com ele durante toda essa confusão, aguentando suas crises de insegurança em relação a Lynn sem nunca sequer condená-lo por continuar a amá-la mesmo sabendo que havia sido traído. Ele apenas permanecia ao seu lado, sereno e compreensivo.

Assim que notou a presença de Paul, Igor levantou rapidamente e apoiou a mão em seu ombro, tirando um lenço do bolso da jaqueta, o qual entregou para que Paul secasse as lágrimas.

- Como foram as coisas? - perguntou Igor, recriminando-se por ter feito uma pergunta tão óbvia tendo em vista a expressão desolada de Paul - Quer ir um pouco lá fora?

- Sim, vamos. Eu preciso fumar. Tem cigarros? - indagou Paul, enfiando o lenço no bolso da jaqueta.

- Tenho. Vamos - Igor acenou com a cabeça em direção à porta.

Sentaram-se num banco de madeira na praça do Hospital. Paul acendeu um cigarro e encostou a nuca no encosto do banco, fitando as nuvens carregadas de chuva, comparando-as com seu estado de ânimo.

- Preciso de chuva na minha vida, Igor - falou com um suspiro.

- De chuva, mesmo? Não será de Sol? - brincou Igor, tentando desanuviar o clima pesado.

- Não... preciso de chuva para lavar a minha alma - explicou Paul, apoiando o antebraço na testa e fechando os olhos, enquanto exalava a fumaça pela boca.

- Vocês vão se acertar... - afirmou Igor, com pouca convicção na voz.

- Lynn quer fazer um aborto - contou Paul, meneando a cabeça, incrédulo - Você consegue imaginar Lynn desejando mal a um filho? É só olhar para Ceci e notar o grande absurdo que ela pretende fazer. Ela está desesperada! Eu temo que se nos divorciarmos agora, ela realmente vá em frente e se arrependa para o resto da vida.

- Você seria capaz de assumir outra criança de Edward? - questionou ele, fitando Paul com curiosidade. A situação toda era tão turbulenta e surreal que Igor não conseguia saber o que pensar sobre toda aquela história. Só queria que Paul fosse feliz.

- Não! Eu pretendo contar sobre essa gravidez a Edward - falou, ajeitando a postura no banco desconfortável - Lynn não quer, mas dessa vez, ela não pode se omitir, não é mais uma adolescente ingênua e desprotegida.

- Eu queria tanto poder ajudar, Paul - disse Igor, baixando a cabeça.

Paul apagou o cigarro no cinzeiro de pé ao lado do banco, virou-se para o amigo e apertou-lhe o ombro de forma carinhosa, fazendo com que o olhasse nos olhos.

- Você é um bom amigo, Igor - afirmou quando seus olhares se encontraram.

- Já que não há espaço em seu coração para ser algo mais... eu quero ser o melhor dos amigos - proclamou o rapaz, com as bochechas coradas. Essa talvez fosse sua atitude mais ousada com o outro.

Paul suspirou e voltou a olhar para o céu, fechando os olhos.

- Um amor verdadeiro só acontece uma vez na vida, Igor. Ele está aqui - disse, apontando para o coração - Mas ao mesmo tempo, me sinto liberto e inalcançável. Você não merece meus pedaços, merece alguém por completo.

A sútil rejeição de Paul fez com que sei coração se comprimisse no peito e ele virou o rosto para o outro lado, controlando as próprias emoções. Não queria que isso influenciasse sua amizade de forma negativa.

- Fuja dos relacionamentos por hora, isso acabaria com as chances de sucesso da sua entrada no grupo musical que está sendo formado, especialmente para o público jovem feminino. Você sabe que pode ser a primeira voz - comentou Paul, ansiando por mudar de assunto.

- Não sei se quero isso para minha vida, Paul. Eu sei que tenho talento como desenhista, um dia alguém há de comprar meus desenhos e minhas idéias. O meio musical é muito descartável - ponderou Igor, grato por não precisar se humilhar além daquele comentário indireto.

- Descartável, porém rentável. Você precisa ser mais realista, é muito sonhador.

- Pensei que você admirasse essa qualidade em mim - retrucou Igor, arqueando uma sobrancelha.

- Eu admiro, é verdade. Eu acho que você nunca se venderia ou trairia seus ideais, por exemplo.

- Então você está se contradizendo achando que eu seria capaz de abrir mão de um grande amor por causa de carreira e grana.

- Está bem, desculpe. Minha cabeça está girando - concedeu Paul, com um meio sorriso.

A enfermeira chamou a atenção de Paul para a filha que vinha pelo corredor. Ele pediu que Igor a fizesse companhia enquanto ia falar com Lynn.

Encontrou-a deitada na cama, como estivera quando ele saiu. Lynn assegurou-o que era melhor que fosse para casa e levasse Cecilia com ele. Não queria nenhum dos dois passando a noite no hospital.

Garota Ingênua [COMPLETA]Onde histórias criam vida. Descubra agora