41. Chega de mentiras

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Lynn largou a bolsa em cima do sofá e deixou-se cair numa poltrona com desalento. Seu estômago revirava cruelmente dentro dela, deixando-a com uma leve coloração verde. Tudo que ela queria era ficar imóvel, sem fazer nada, nem falar ou muito menos ouvir. Paul não pudera buscá-la no hospital e ela tomara um táxi. A casa estava totalmente vazia, com exceção da governanta e do jardineiro, que se encontravam na casa dos empregados, um pequeno chalé anexo à mansão.

Olhou para o relógio no pulso. Eram seis e meia. O sol ainda brilhava escandalosamente, porém um vento frio soprava insistente, obrigando as pessoas a usarem casacos e sobretudos ao saírem na rua. Lynn passou a mão suavemente pelo ventre e fitou o teto por um momento. Sentia-se só e deprimida. Ela fechou os olhos e imaginou se aquele bebê seria menina ou menino.

Interrompeu seus pensamentos bruscamente. Não! Não queria saber, não se importava. Aquela criança não nasceria para destruir a sua vida ainda mais. Outro filho de Edward só serviria como um elo extra entre os dois, e isso ela não desejava. A única coisa que queria era se ver livre de Edward. A partir de segunda-feira ela não levaria Ceci a casa dele para almoçarem, nem falaria com ele ao telefone. Ceci podia muito bem dar os recados que fossem necessários. Não era preciso entrar em contato com ele de forma alguma. Poderiam compartilhar a guarda de Ceci sem precisarem passar tempo juntos, dividiriam os feriados e as férias, e sentariam afastados nos eventos de escola.

Na quinta-feira ela... faria o aborto. Quinta-feira. Dali a quatro dias. Ficaria com aquilo por mais quatro dias dentro de si. Lynn abriu os olhos assustada enquanto um arrepio corria o seu corpo e seus olhos enchiam-se d'água, imaginando uma vida dilacerada e despedaçada, por sua escolha.

Lynn apertou os olhos e levantou-se soltando um suspiro, descontente consigo mesma e com aqueles pensamentos horríveis. Quinta-feira. Quinta-feira ela o faria. Não haveria volta, nem perdão. Ela o faria, sem dó nem piedade, sem pensar duas vezes. Mas será que ela já não estava pensando duas vezes? Imaginar aquelas coisas não seria o mesmo que hesitar? Seria insegurança? Ela não poderia! Não conseguiria... Mas era preciso. Não havia outra solução com o divórcio em curso e sua vida do avesso novamente.

*

Edward atendeu rapidamente o telefone celular quando reconheceu o número de Lynn. Ela havia sumido, não atendia às suas ligações, não encontrava Ceci em casa e nem na escola. Ele já estava ficando desesperado dentro daquela clínica de recuperação para dependentes químicos onde estava há dois dias.

- Alô?

Para sua decepção, a voz do outro lado da linha não era de Lynn e sim de Paul.

- Edward? É Paul. Onde você está?

- Estou numa clínica para alcóolatras. Algum problema?

- Sim, precisamos conversar com urgência.

- Como está minha filha?

- Ceci está bem, não se preocupe. O assunto que tenho a tratar com você é sobre Lynn.

Edward não podia e nem queria fugir daquele assunto. Se Paul estava disposto a saber se ele e Lynn mantinham um relacionamento às escondidas, ele não iria negar.

- Vou te passar o endereço de onde estou. Anote aí.

Em quarenta minutos, Paul entrou no dormitório onde Edward assistia TV e lia o jornal, sem prestar muita atenção à qualquer das duas atividades.

- Com licença...

- Como vai? Entre e acomode-se. Estou curioso para saber o que o trouxe até aqui.

- De certa forma, o mesmo que lhe trouxe aqui: Lynn.

Edward não gostou do comentário sarcástico de Paul sobre a bebida. Percebendo a expressão carregada que se formara na face de Edward, Paul pediu desculpas e resolveu fazer de uma vez o que se propunha a fazer.

- Bem... eu vim aqui contra a vontade de Lynn para lhe contar que ela está esperando outro filho seu. É isso - contou brevemente, tentando ser o mais objetivo possível.

Edward demorou alguns segundos para assimilar aquela informação. A notícia o havia pego de surpresa. Ele não sabia se ria, se chorava, se dizia alguma coisa, não sabia o que fazer, estava perplexo.

- O quê? - foi só o que conseguiu pronunciar, num misto de surpresa, alegria e preocupação.

- Ela está esperando um filho! Seu filho! Fruto da relação extraconjugal que ela manteve com você pelas minhas costas! - exclamou Paul, finalmente sentindo seu rancor por Edward.

- Grávida... de novo - Edward repetiu, sem dar atenção à explosão repentina do outro.

- Achei que você deveria saber. Estive no hospital com ela ontem e...

- E...? – encorajou Edward diante da pausa.

- E... ela disse que pensa em interromper a gravidez.

Edward virou rosto para o lado sentindo-se mal, contorcendo a face. Era como se não conhecesse mais aquela pessoa. Lynn tivera que amadurecer de forma brusca e repentina, e Edward às vezes sentia-se culpado por isso e por ter sido covarde em assumir o amor deles diante da família. Contudo, a notícia da gravidez era como um raio de sol que conseguia aparecer em meio às nuvens cinzentas. E a informação de que ela pretendia interromper a gravidez deixara-o transtornado. Como ela poderia fazer isso sem lhe falar nada?!

Depois que Paul foi embora ele ficou pensando, e tentando descobrir quando, em que parte de sua vida, Lynn se tornara aquela pessoa fria e cruel, capaz de destruir uma vida que crescia dentro do seu próprio ventre, capaz de assassinar o seu próprio filho, um filho que fora concebido do amor deles. Não podia ser verdade. Ela não podia realmente estar pensando nisso. Provavelmente estava apenas assustada. Ou dissera sem pensar.

Ele podia inventar mil desculpas para aquela atitude, mas algo lhe dizia que ela o faria, mesmo que se arrependesse depois. Decidido, Edward juntou suas coisas na pequena mala de couro e pegou o carro. Precisava falar com ela.

Quando chegou em casa tentou telefonar para o celular dela, depois de chamar insistentemente caiu na caixa postal, ele ainda tentou mais uma vez, mas uma mensagem automática declarou que o aparelho provavelmente estava desligado ou fora da área de cobertura. Edward ligou para a casa dela, mas depois de esperar muito, a governanta disse-lhe que ela não passava bem e que não poderia falar-lhe. No momento em que punha o fone no gancho a campainha soou estridente inundando a sala de estar e ele se levantou para atender a porta.

- Oi, papai! - exclamou Ceci abraçando-o com ternura - Mamãe disse que vai estar trabalhando essa semana e perguntou se você não poderia ficar comigo.

- Mas é claro que eu posso, Ceci! - afirmou Edward carregando a menina e a mochila cor-de-rosa para dentro de casa, ao mesmo tempo em que ela acenava para o motorista que esperava no carro.

Edward passou o resto do dia distraído com Ceci e não pensou mais em Lynn até a noite quando tentou telefonar-lhe novamente, mas ninguém atendeu a ligação.

Garota Ingênua [COMPLETA]Onde histórias criam vida. Descubra agora