44.Cativa

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Os dois se calaram, cada um num canto do quarto. A  mente de Edward girava freneticamente com o trato. Lynn só podia estar com algum distúrbio mental. Nervosa demais. Ou transtornada. Desesperada.  Estava louca! Louca! E ele não podia acreditar no que ela dizia. Talvez estivesse brincando. Por mais que quisesse acreditar nisso, os olhos dela lhe  diziam o contrário. Estava falando sério. Mas ele tinha certeza de que ela mudaria de ideia quando recobrasse a sanidade.

O corpo de Lynn tombou para frente com um baque seco sobre o carpete bege. Edward correu para ela e checou os sinais vitais que aparentemente estavam normais. Ligou para o obstetra de Lynn, que cuidara da gestação de Ceci, e em menos de meia hora ele estava lá tranquilizando-o. Lynn desmaiara de pura exaustão e sua pressão estava apenas um pouquinho baixa, nada que uma refeição substancial não pudesse dar jeito.

As primeiras semanas de Lynn na casa de Edward foram tensas, sentia-se como uma cativa. Ela tentava se esquivar dos cuidados e da presença dele, que por outro lado cercava-a de todas as maneiras. Oferecia leite e frutas frescas de meia em meia hora e perguntava se estava tudo bem de cinco em cinco minutos. Lynn passava o dia deitada na cama de Edward odiando-o, olhando para o teto ou, às vezes, para a janela. Raramente descia para a sala, e, quando Ceci chegava da escola, as duas ficavam enfurnadas no quarto da menina conversando e brincando. Quando estavam à sós na casa, Lynn ignorava-o ou fingia que estava dormindo. Ela tinha fortes enjôos durante a manhã e violentas  enxaquecas durante a tarde. Era a pior fase de sua vida, a gestação de Ceci fora tranquila e despreocupada, e ela odiava estar grávida a cada dia mais, embora tentasse seguir à risca as instruções do médico.

- Está com fome? - indagou Edward aparecendo no vão da porta pela milionésima vez.

Lynn fitou-o desgostosa. Era a primeira vez em semanas que ela realmente sentia fome, mas não queria o auxílio de Edward.

- Não...

- Nem mesmo fome de panquecas com geleia de framboesa? -  insistiu ele. Edward tentava de todas as maneiras agradá-la, evitava discutir com ela quando havia qualquer tipo de atrito, se esforçava em fazer as coisas da maneira que ela gostava, trazia livros para ela ler e às vezes filmes para assistirem juntos. Procurava não incomodá-la mais do que o necessário e se obrigava a sorrir o tempo todo, a despeito da expressão carrancuda no rosto pálido dela. Os fortes enjoos resultaram em perda de peso e Edward estava preocupado, mas tentava não deixar transparecer, sabendo que sua preocupação somente serviria para contraria-la ainda mais.

O estômago de Lynn roncou e ela sentiu-se envergonhada. Volta e meia, suas fraquezas ficavam evidentes e ela sentia raiva de Edward por isso.

- Quer que eu traga aqui em cima ou você vai me dar a honra de comer comigo lá embaixo?

Lynn virou o rosto para o outro lado. Aquela prostração estava desgastando-a, era como se já não houvesse ar dentro daquele quarto e ela não aguentava mais olhar para as paredes claras.

- Daqui a pouco eu desço - resmungou ela por fim.

Edward desceu as escadas sorridente. Aos poucos ela ia relaxando e, quem sabe, até o final da gestação ela não se sentiria contente pelo bebê?

Lynn apareceu na entrada da cozinha vestindo uma camisa de mangas compridas, uma bermuda jeans até o joelho, com a barra esfarrapada e as meias coloridas que Ceci ganhara de um fã de Lynn, mas que eram grandes demais para ela. Edward olhou-a carinhosamente, ela parecia-se novamente com a jovem que ele conhecera anos atrás, até a sua expressão parecia menos tensa.

- Alguém me disse que estavam distribuindo panquecas com geleia de framboesa de graça por aqui... – murmurou ela passando o indicador na   porta, olhando distraidamente para Edward.

Edward sorriu, agradecendo a Deus pelo bom humor de Lynn. Havia dias que eram assim, leves e banais, e havia também os dias em que tudo se transformava em motivo para tempestades em copos d'água. O humor dela estava instável. Talvez fosse a gravidez, ou talvez ela sempre fora assim, meio...  volúvel... Edward não conseguia precisar. Serviu as panquecas num pratinho colorido, do conjunto escolhido por Ceci, e empurrou o vidro de geleia em direção à Lynn por cima do balcão.

Lynn sentou no banco alto e puxou o prato mais para a beirada da bancada. Sentia-se extremamente tola e vulnerável naquele dia. Pegou a faca e a mergulhou no frasco de geleia, tirando um pouco para passar  na panqueca.

- Está bom? – perguntou ele inclinando-se sobre o balcão.

Quando Lynn virou o rosto para ele estava banhado em lágrimas.

- O que foi? Está tão ruim assim?

- Não... – soluçou ela deixando-se escorregar para uma onda de choro convulsivo – Eu não sei...

- O que foi? O que está sentindo?

- Eu não sei! – esbravejou ela com o rosto vermelho –  Pare de fazer perguntas!

Lynn sentia-se péssima. Estava tudo tão bem, estava  sentindo-se contente quando desceu as escadas, mas subitamente sentia-se deprimida e não conseguira segurar as lágrimas que se engasgavam na garganta. Não sabia o motivo daquela cena e se envergonhava por estar chorando à toa.

Edward deu a volta no balcão e passou o braço em torno dos ombros dela.

- Calma, meu bem... – sussurrou ele no ouvido dela.

Lynn sentiu um calor aquecendo-lhe a barriga e na mesma hora sentiu raiva de si mesma, por não ter controle sobre suas emoções e de Edward por provocar aquelas sensações.

- Saia de perto de mim. Me deixe em paz! – gritou ela desvencilhando-se dele.

Lynn desceu do banco derrubando o vidro de geleia no chão e saiu correndo da cozinha, enquanto Edward tentava entender o que acontecera.

Garota Ingênua [COMPLETA]Onde histórias criam vida. Descubra agora