- Eu quero saber porque Vitalli me chamou até Barcelona! - Ouvi Romeo gritar do quarto. - Non me importa que ele esteja morto. Se vire!
Mesmo no banheiro, conseguia ouvir os passos pesados dele pelo quarto. Desde sua viagem a Barcelona, Romeo tentava descobrir o que o capo Vitalli queria com ele. O homem ficou sabendo que estávamos na Espanha e solicitou uma reunião urgente. Romeo foi ao seu encontro, mas quando estava chegando ao local da reunião, o lugar explodiu. E, ele e Dante se livraram por pouco de estarem juntos do homem.
Nossa lua de mel se estendeu até Veneza. Romeo precisava resolver alguns problemas e me convidou para ir junto. Como os compromissos demandariam algumas semanas de sua agenda, aceitei o convite. A maior parte do dia, ele ficava por conta de resolver seus assuntos e à noite, passeávamos pela cidade.
Voltaríamos para Palermo no dia seguinte, depois de quase três semanas em Veneza. E a ansiedade em voltar para casa tomava conta de mim. Ainda não tínhamos decidido sobre nossa casa. Onde moraríamos? Ficaríamos em Palermo ou iríamos para Messina, território dos Sartori? Ou será que ele planejava morar em outra região?
A situação como um todo e os problemas de Romeo me deixavam agoniada.
Acordei com Romeo falando ao telefone, mas uma cólica, aliada à uma enorme vontade de vomitar, foram os motivos que me fizeram levantar. Enquanto ele reclamava com alguém, no quarto, eu colocava o jantar da noite anterior para fora, no banheiro.
Sentei-me ao lado da privada, esperando que o enjoo passasse ou então que a nova rodada começasse.
- Helena, precisamos... - Romeo interrompeu a frase, ao me ver no chão. - Piccola, está tudo bem? O que aconteceu? - Ele pegou uma toalha de rosto, umideceu-a e limpou minha face.
- Estou bem. Devo ter comido algo estragado.
Romeo passou meu braço por seu pescoço e me ajudou a levantar. Levou-me até a pia e molhou meu rosto e nuca.
- Amore, preciso me deitar. - Disse, indo em direção ao quarto. - Pode pegar um dos meus remédios para cólica? Realmente devo ter comido algo estragado para estar com a barriga tão ruim assim.
- Claro, piccola. - Ele me deitou na cama e foi buscar o remédio. - Se até a noite você non melhorar, adiamos a viagem de volta e chamamos um médico. Va bene?
Sorri, concordando.
- Vá resolver suas coisas, passarei o dia na cama. - Romeo ameaçou discordar. - Zitto! Ficarei bem.
Ele confirmou com a cabeça e saiu indignado do quarto. Fechei os olhos e rezei para que a cólica passasse logo.
Rolei na cama de um lado para o outro, mas não conseguia dormir. Não estava com vontade de ver TV, então resolvi pegar um livro. Assim que levantei, tive a sensação de algo escorrendo e corri para o banheiro.
Abaixei o shorts e a calcinha, sentando no vaso. E uma manchinha rosa claro denunciou o culpado. Fiz alguns cálculos mentalmente e percebi que já estava mesmo na hora de menstruar. Ela atrasou um pouco, mas desceu. Totalmente normal, já que meu ciclo nunca foi muito regular.
- Isso explica a cólica e os enjoos. - Falei comigo mesma. - Bem Helena, pelo menos você non está grávida.
Ao pronunciar essas palavras, um sentimento estranho passou por mim. Era como se eu tivesse fracassado. Mas nem ao menos tínhamos tentado algo para que eu fracasse.
- Maldita TPM. - Balbuciei.
- Isso explica seu mau humor nos últimos dias. - Romeo estava parado no batente da porta, me encarando com uma expressão divertida no rosto.
- Non tem graça. - Retruquei. - E você non deveria me ver assim. Mas já que está aqui, pegue um absorvente na segunda gaveta, per favore. - Apontei para o armário acoplado à pia.
Romeo entregou-me o pacotinho e fez um sinal, indicando que me esperaria no quarto.
Quando sai do banheiro, fui direto em direção a cama e me enfiei debaixo das cobertas.
- Quer fazer alguma coisa? - Romeo perguntou, acariciando meus cabelos.
- Non, essas cólicas estão muito fortes. Vou ficar de cama hoje. - Respondi, com o rosto afundado no travesseiro.
- Vou terminar de resolver minhas coisas então. Se precisar de algo, me liguei. - Levantei uma mão, fazendo sinal de joia. - Volto antes do jantar e se você non melhorar, adiamos a volta.
Balbuciei um va bene, que foi abafado pelo travesseiro. Senti Romeo levantar-se quando a cama balançou. Ele depositou um beijo em minha cabeça e saiu. Assim que o remédio começou a fazer efeito, um sono tomou conta de mim e o mundo escureceu.
***
Eram mais de 20h quando Romeo chegou, e pela sua expressão algo tinha dado errado. O cenho franzido e o maxilar travado indicavam que eu deveria me conter, deixando ele fazer o que quisesse.
Me encolhi na cama e puxei o edredom até o queixo. Romeo fixou os olhos em mim, enquanto afrouxava a gravata.
- Come stai? Melhorou? - Perguntou, aproximando-se de mim e me beijando. - Céus Helena! Você está ardendo em febre.
- Estou bem, amore. - Lancei um sorriso forçado, a verdade era que meu corpo todo doía. - Non precisa se preocupar, isso é normal. Meus períodos vêm acompanhados de muitos desconfortos.
- Helena... - Romeo me olhou sério, os lábios formando uma linha de desaprovação.
- Já tomei um antitérmico, ficarei bem. - Aninhei-me embaixo das cobertas. - Vá tomar seu banho e vamos comer. Estou faminta.
***
Assim que Romeo saiu do banho, pediu nosso jantar e se deitou comigo. Passamos a noite aninhados um ao outro, assistindo filmes antigos.
Já eram quase meia noite e Romeo estava apagado, dormindo um sono profundo. Minha bexiga apertou, indicando que eu não conseguiria segurar a vontade por mais tempo. Levantei silenciosamente e fui até o banheiro.
Meu corpo já não doía mais e a cólica tinha passado. Peguei outro absorvente por precaução e sentei no vaso. Quando olhei para minha calcinha, o absorvente colado nela estava branco, completamente limpo. Deixei o pacotinho fechado em cima da pia e me levantei. Escovei os dentes, lavei o rosto e passei um hidratante.
Voltei para o quarto e encontrei Romeo acordado, sentado na cama. Os braços apoiados na perna, segurando seu rosto.
- Amore, tutto bene?
- Sì. - Ele respondeu baixo, levando a cabeça e me encarando. - Está melhor? - Confirmei com a cabeça, aproximando-me da cama e deitando. - Que bom. Voltaremos para Sicília amanhã cedo então.
- Sobre isso... - Romeo me encarou, desconfiado. - Ainda non decidimos onde vamos morar.
- Bem, - ele se virou, entrando debaixo do edredom e me puxando para si.- Pensei em um lugar que talvez seja do seu agrado.
- E qual é? - A curiosidade estava acabando comigo.
- Uma casa na divisa entre Palermo, Messina e Enna.
- A casa de verão? - Minha voz saiu aguda, cheia de empolgação.
Romeo confirmou com a cabeça e o abracei forte.
Moraríamos na casa onde passávamos as férias juntos. Uma casa cheia de lembranças boas e que eu conhecia como a palma de minha mão. Com uma biblioteca enorme e um jardim. Ah, o jardim. Eu poderia me deitar sob as árvores e ficar lendo todas as tardes, assim como fazia quando criança.
A ansiedade em ir para casa finalmente tomou conta de mim. Romeo pensou em um lugar que seria estrategicamente bom, mas também considerou se eu gostaria. Mesmo sem me perguntar, ele pensou em algo que seria bom pra mim, pra nós. Um lugar onde tivemos tantos momentos felizes e que, agora, se tornaria nosso lar. Um lugar para criar novas memórias e construir nossa família.
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Despedaçados [COMPLETO] - (Série Vespri Siciliani - LIVRO UM)
Literatura FemininaÉ fato que as pessoas mudam ao decorrer da vida. Mudam de aparência, de gostos, de estilos, de modos. Mudam por fora e por dentro. Mas nem sempre as mudanças são boas. Muitas vezes elas despertam o que há de pior dentro de alguém. Helena DiFontana s...