- Estou pronto para te contar o que aconteceu na minha iniciação. – Romeo despejou as palavras, encarando o nada através da janela do quarto.
- Tutto bene. – Helena estendeu-lhe a mão.
Romeo pegou a mão da sua mulher. Os dedos dela pareciam pequenos e delicados próximos aos seus. Ele beijou cada um dos nós de seus dedos, apertando a mão dela com força, com medo de que ela pudesse escapar.
- Quando fui para a iniciação, Giuseppe disse que non poderia fazer aquilo. Ele non conseguiria fazer toda aquela merda e me deixou nas mãos de Francesco, seu irmão. – Romeo encarou Helena, tentando decifrar seu olhar e continuou. – Ele me levou até um galpão antigo e disse:
"- Primeiro faremos uma prova de resistência. Vamos ver quanto tempo seu psicológico aguenta". E depois saiu, me deixando no cômodo escuro com apenas um colchão e um balde.
Non sei ao certo quanto tempo fiquei lá. Eventualmente alguém me jogava uma garrafa de água e algo para comer, mas contar as horas era uma coisa difícil.
Depois de um certo tempo, meu tio voltou. Ele me disse um nome e pediu que eu non o revelasse a ninguém, independente das circunstâncias. Foi então que as torturas começaram. Homens diferentes vinham e me faziam passar o inferno, querendo que eu revelasse o nome.
Na primeira vez, non consegui guardar nem por meia hora. Cada vez que eu revelava o nome, me jogavam de volta ao cômodo escuro e me deixam lá por alguns dias. Após revelar o nome pela quarta vez, meu tio disse que eu precisava de um estímulo para manter a boca fechada. Afinal, os bons homens da máfia non revelam informações tão facilmente assim.
Então ele trouxe a senhora Mancini.
Sandra era nossa babá desde que eu era um bebê. Ela cuidou de mim durante anos e depois de Giovanni e de Alessa. Era como uma segunda mãe pra mim.
- Se você revelar o nome, ela morre. – Meu tio disse, apontando uma arma pra ela.
Eu segurei. Eu juro que segurei o máximo que eu pude. Mas meu corpo já estava cansado, minha cabeça non funcionava direito. E, em um momento de fraqueza, eu gritei o nome.
- Você nunca será homem o suficiente para assumir um cargo no carroselo. – Francesco falou. – Matem-na. Ou melhor, você, seu bostinha, mate-a.
Ele me entregou a arma, mas eu non consegui atirar. Eu olhei dentro dos olhos de Sandra e ela sorriu pra mim, como se entendesse aquilo. Mas eu non entendia.
Aquilo irritou meu tio. E ele disse que se eu non a matasse, ele mataria aquilo que, aparentemente, era o mais importante pra mim. Eu sabia que ele non machucaria minha família, mas então ele disse seu nome.
- Helena, non é? Sempre aquela garotinha. Uma vida pela outra, Romeo. Qual você escolherá?
Um arrepio gelado atravessou meu corpo nesse momento e tudo que eu pensava era que non poderia deixá-lo chegar perto de você. Então, eu atirei em Sandra.
Você foi o gatilho que eu precisava para começar a matar. Desde esse dia, sempre que Francesco queria que alcançasse meu limite, ele te ameaçava. De formas horríveis, grotescas. Eu tentei te odiar, pra evitar que ele me atingisse e, assim, evitar mais mortes. Mas era difícil demais, eu me preocupava com você.
Depois disso, minha mente é um branco. Non me lembro de todas as coisas, tenho alguns flashes. Mas lembranças concretas, non muitas. Acho que neste momento entendi a expressão "vestir a máscara da máfia".
Certo dia, Francesco disse que se eu non seguisse suas ordens, ele te usaria como uma de suas putas e depois se desfazeria de seu corpo. Eu perdi a cabeça e atirei nele, acertando sua perna. Finalmente ele se deu por satisfeito e disse que a iniciação tinha acabado.
Fizemos a cerimônia. Eu derramei meu sangue sobre a imagem da santa e depois Francesco ateou fogo, enquanto eu ainda a segurava e recitava aqueles versos: "Que minha carne queime como este santo se eu falhar em manter meu juramento". E, finalmente, voltei para casa.
Depois disso, ouvir seu nome me causava um certo desconforto e eu nunca soube por quê. Acabei matando Francesco sete anos depois, quando ele ameaçou pôr as mãos em você caso eu non acatasse outra de suas ordens."
Romeo parou próximo a janela do quarto. Era difícil ficar perto dela depois de contar o motivo de sua mudança. Ele mudou pois sabia que, se transparecesse ser frio e calculista ou alguém que não se importava com os outros, as ameaças seriam menores. Os danos que eventualmente pudesse sofrer, seriam infringidos apenas a ele. Sua família e aqueles que com quem se importava estariam seguros. Isolar seus sentimentos foi a melhor saída.
Vestir a máscara da máfia foi sua melhor opção. Mas no caminho, ele se perdeu. Foram tantas mortes e tantas dores que, durante o percurso, ele perdeu sua essência e acabou criando algo que não conseguia controlar.
- Você sempre foi meu ponto fraco. – Um sorriso sarcástico escapou-lhe dos lábios. - E nunca consegui lidar com isso. Imaginar que qualquer um pode te machucar me deixa louco. Mas no final quem acaba te ferindo sou eu. E isso é uma puta de uma ironia.
Desde o reencontro com Helena, no jantar de ensaio, Romeo tentava controlar seu gênio. Ele sabia que era impossível voltar a ser o garotinho que cuidava dela, mas ele tentava controlar o monstro que cresceu dentro dele. Mas tudo nela despertava exatamente o contrário. Seu olhar encantador, seu cheiro doce e a boca atrevida, o deixavam louco. E, com a loucura, o seu pior era incitado.
- E-eu non ligo. - Helena murmurou, atraindo sua atenção. - Eventualmente, vamos acabar machucando um ao outro. - Ela levantou o rosto, encarando-o com seus olhos negros como a noite. - Temos que superar as dificuldades e seguir em frente. Nem que seja por ele. - Ela apoiou as mãos na barriga.
- Certo. - Romeo sorriu e se aproximou da sua pequena. - Pelo nosso amendoim. - Acariciou e beijou a barriga dela.
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Despedaçados [COMPLETO] - (Série Vespri Siciliani - LIVRO UM)
ChickLitÉ fato que as pessoas mudam ao decorrer da vida. Mudam de aparência, de gostos, de estilos, de modos. Mudam por fora e por dentro. Mas nem sempre as mudanças são boas. Muitas vezes elas despertam o que há de pior dentro de alguém. Helena DiFontana s...