A empolgação que tomou conta de seu corpo o deixou tão agitado que era impossível conseguir dormir. Ele se virou na cama e encarou a pequena mulher deitada. O movimento constante de sobe e desce de seu peito indicava que ela estava em sono profundo.
Vagarosamente ele deslizou a ponta dos dedos sobre a barriga dela, imaginando quanto tempo levaria para que seu filho crescesse e ele, finalmente, pudesse sentir seus chutes.
"Dio, eu vou ser pai", pensou e um sorriso escapuliu de seus lábios. A hipótese nunca tinha passado por sua cabeça. Nunca mesmo. Ele não se achava digno de tal felicidade, afinal coisas boas e seu destino não se entrelaçavam há muito tempo. Não até Helena voltar para sua vida.
Sua pequena era a coisa mais preciosa que tinha e ele colocaria o mundo abaixo por ela, mesmo que não merecesse um décimo de seu amor. Depois de tudo o que passou, de tudo que viu, fez e enfrentou, sua família era a única coisa que o mantinha são. Sua família era a única coisa que sempre importou. E agora, Helena fazia parte dela de vez.
Helena sempre foi seu ponto fraco. Desde criança, ele sempre punha os interesses dela à frente dos seus. E quando as pessoas percebiam isso, a usavam para atingi-lo, assim como seu tio fez durante sua iniciação.
"Uma vida pela outra Romeo", as palavras ainda ecoavam em sua mente, junto com a lembrança da primeira vida que tirou. Durante muito tempo, justificou suas atitudes como consequências de algo que fazia para proteger Helena. "Se eu non exterminá-lo, ele pode ir atrás dela", era o que pensava. Até o momento em que se deu conta de que torturava e acabava com a vida das pessoas por puro prazer, para satisfazer sua necessidade de controle.
Mas ele não podia controlá-la. E nem queria. Algumas vezes, suas atitudes eram feitas antes que seu cérebro processasse os acontecimentos, e ele acabava por fazer algo que se arrependeria depois. E, no final, Helena sempre estava pronta para perdoá-lo.
- Como você ainda consegue me amar? - Sussurrou admirando sua esposa.
Era difícil acreditar que depois de tudo o que fez, ela ainda continuava a seu lado e se preocupava com ele. "Eu vou ser melhor. Prometo que dessa vez farei tudo certo", pensou. "Por vocês", depositou um beijo leve na barriga de Helena.
Virou-se para o outro lado e pegou o celular, em cima do criado mudo.
5 CHAMADAS NÃO ATENDIDAS - NÚMERO DESCONHECIDO
A última ligação foi há cinco minutos. Romeo rediscou o número, se levantou da cama e foi em direção à sacada. O telefone chamou por três toques antes que uma voz masculina atendesse.
- Romeo? - O homem do outro lado questionou.
- Sì. - Ele respondeu apreensivo. - Chi sta parlando?
- Vitalli.
Romeo prendeu a respiração, surpreso. Ele estava atrás de Gianni Vitalli há mais de três meses. Mas era como tentar pegar fumaça com as mãos, o homem sempre desaparecia quando ele estava próximo de encontrá-lo.
- Tenho informações importantes, do seu interesse. - Gianni falou. - Precisamos nos encontrar.
- Quando?
- Na quinta. - Respondeu. - Te mandarei uma mensagem com o local.
- Perfetto.
- E Romeo? - Gianni chamou sua atenção uma vez mais. - Non comente com ninguém, apenas com seu consigliere. Pessoas próximas estão tramando contra você. - E desligou.
Alguém próximo o estava traindo, ele sabia. Já tinha suas suspeitas, mas se recusava a acreditar. A confirmação de Vitalli seria decisiva para os próximos passos e eles precisavam ser planejados com cautela. Romeo tinha que garantir a segurança de Helena antes de colocar seu plano em prática, especialmente agora que ela carregava seu filho.
Um aperto tomou conta de seu peito e, pela primeira vez em muitos anos, ele sentiu medo. E essa não era uma sensação da qual gostava. Ele fechou a mão esquerda em punho e socou a parede, produzindo um ruído oco e grave. Uma tentativa inútil de se livrar do incômodo.
Ele voltou para o quarto e encontrou Helena sentada na cama.
- Tutto bene? - Ela perguntou.
Romeo sorriu com a preocupação da esposa e apenas acenou com a cabeça. Ele não a preocuparia com seus problemas. Sentou na cama e a pequena mulher aninhou-se em seu colo. O corpo de Helena era quente e aconchegante. Seu cheiro adocicado, que lembrava a baunilha, intoxicava seus sentidos. Ela era como um veneno feito sobre medida para seu organismo.
Ele enlaçou seus braços ao redor do corpo pequeno da esposa e o apertou carinhosamente. Os cabelos dela roçaram seu nariz, invadindo-o com um aroma que lembrava chocolate. "Essa mulher é viciada em doces", sorriu e beijou o topo da cabeça dela.
- Perdeu o sono? - Perguntou.
- Sì. - Helena murmurou contra seu peito.
- Que tal uma história? - Propôs, sorrindo com a própria ideia.
Helena desvencilhou-se de seus braços e o encarou.
- Sério? - Mesmo no escuro, ele podia jurar que viu seus olhos brilharem.
- Bem, temos que ensinar nosso bambino a gostar livros, non è vero?
Os lábios de Helena curvaram-se para cima, formando um enorme sorriso. Romeo beijou o canto de sua boca em resposta e estendeu a mão para o criado mudo, acendeu o abajur e retirou um livro da primeira gaveta.
- Dorothy vivia no meio das grandes pradarias do Kansas, com seu tio Henry, que cuidava de uma fazenda, e a tia Em, mulher dele. A casa em que eles moravam era pequena, porque a madeira para a sua construção precisava ser trazida de carroça desde muito longe. - Romeo começou a ler, esperando a reação da mulher.
- O Mágico de Oz? - Helena questionou. - Tem anos que non o leio.
- Tudo se resume à Alice, non è vero? - Romeo brincou. - Temos que dar outras opções ao nosso filho. Se non ele vai acabar se chamando Tweedledee ou Tweedledum.
- Eii! - Helena deu-lhe um soco leve no braço. - Essa opção só é válida se forem gêmeos.
O homem fez uma careta, discordando da proposta.
- Vai me deixar continuar a história ou non? - Ela sorriu e concordou. Então ele continuou: - Eram quatro paredes, um chão e um teto, que formavam uma única peça; e nesta peça ficavam um fogão a lenha com uma aparência bem enferrujada, um armário para os pratos, uma mesa, três ou quatro cadeiras e as camas. O tio Henry e a tia Em ocupavam uma cama de casal num dos cantos, e Dorothy, uma cama menor em outro.
***
A pequena adormeceu em seu colo pouco antes de Dorothy encontrar o espantalho. Satisfeito por tê-la feito dormir tão rápido, ele guardou o livro e se aconchegou na cama, desfrutando do calor do corpo de Helena.
Sua cabeça girava e seus pensamentos se concentravam no encontro com Vitalli. As informações que o homem lhe passaria eram de extrema importância e selaria o destino de muitas pessoas. Selaria o seu destino e o de seus inimigos. Selaria o destino de pessoas próximas, com quem ele se importava muito. Mas, se suas suspeitas fossem verdades, uma pessoa em específico perderia toda a sua confiança e admiração. E isso o incomodava muito.
Mais uma vez ele pensou em seu filho. Ou filha. "Dio, se for menina a colocarei em um convento", riu da ideia. "Como se Helena fosse permitir uma coisa dessas". A imagem de uma garotinha, com longos cabelos escuros e olhos claros, tomou conta de sua mente. Ela gargalhava e corria pelo jardim, gritando para que ele a pegasse.
Imaginando como seu futuro bambino seria, ele adormeceu. E essa noite, sonhou com crianças brincando pela casa e gritando papa atrás dele. Sonhou com a felicidade que sua esposa sentia. Sonhou com a vida simples e leve que sempre desejou para ele e Helena. E sentiu-se completo, menos quebrado. Sentiu-se, finalmente, remendado.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Despedaçados [COMPLETO] - (Série Vespri Siciliani - LIVRO UM)
ChickLitÉ fato que as pessoas mudam ao decorrer da vida. Mudam de aparência, de gostos, de estilos, de modos. Mudam por fora e por dentro. Mas nem sempre as mudanças são boas. Muitas vezes elas despertam o que há de pior dentro de alguém. Helena DiFontana s...