Prólogo

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Brasil, 11 de Janeiro de 2018.       

  — Boa sorte! – Repito, rolando os olhos.

Desde quando tenho sorte?

         Desço a estreita escada pela qual a água da enxurrada ainda escorre, indo em direção à marginal que leva para a zona sul da cidade, mais conhecida como riquinholândia entre nós que só aparecemos lá para afanar a carteira de moleque burguês que fica dando bobeira nas portas das escolas de elite.

       Eu só tenho que atravessar a droga da marginal e subir duas quadras do outro lado, sei onde é a casa, já fui lá outras vezes com o Afonso. Mas nunca fui sozinha, e isso só está acontecendo porque o fodido do Lucas sumiu e agora o Afonso tem que ficar de olho no nosso acampamento ou algum cuzão aparece para roubar nossas coisas.

   Enfio a mão no bolso do moletom mais uma vez para me certificar que o dinheiro está aqui.

   Puta merda!

    — Cadê você? – Pergunto para mim mesma, parando no meio daquele escuro sinistro, enfio a mão no bolso outra vez. — Inferno! – Praguejo ao sentir minha mão escapar por um buraco colossal no bolso do moletom.

     Se eu não levar o dinheiro até o Weliton ele vai fazer picadinho do Afonso e de mim, já estou até sentindo inveja do Lucas por ter sumido antes dessa merda acontecer.

   Decido voltar olhando para o chão, não que isso vá ajudar muito, não dá para ver nada nesse escuro.

    Refaço meus passos, vou caminhando até quase chegar no nosso acampamento, mas não me aproximo muito para que o Afonso não me veja.

     A primeira lágrima escorre enquanto percebo que estou fodida até o último fio de cabelo, nada de encontrar o dinheiro. Não posso voltar para o acampamento e decepcionar o Afonso assim, também não posso ir até a casa do Weliton de bolsos vazios. Resolvo ficar refazendo o caminho até o dia clarear, quando a luz ajudar talvez eu encontre essa merda de dinheiro, daí juro por Deus que nunca mais fico com essa parte do serviço.

    Caminho chutando uma tampinha de garrafa, a chuva volta a cair no capuz do moletom. Eu simplesmente odeio quando chove, molha tudo, entra rato no acampamento e a cidade fica mais nojenta que o normal, cheia de lixo boiando na rua. A única parte boa é que as pessoas ficam mais caridosas, doam agasalhos e comida em algumas igrejas, basta aparecer no dia certo e você sai aquecido e com a barriga cheia.

   Chego outra vez na escada e começo a descer, a água da enxurrada está mais forte e entra nos tênis gastos, dois números maiores que meus pés, estremeço de frio. Já estou no último degrau da escada quando vejo a sacolinha branca com um nó no meio da rua, quero gritar de felicidade, a enxurrada deve tê-la levado para lá. Corro em direção a minha salvação, ninguém vai virar picadinho hoje.

   Me abaixo para pegá-la, o dinheiro ainda está sequinho dentro dela. Vejo uma luz ficando mais forte a minha frente e então eu levanto o rosto apenas a tempo de registrar um par de faróis se aproximando a medida que o barulho de pneus derrapando no asfalto molhado aumenta.

Ingênua [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora