41 | CLARICE.

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Hoje, por algum motivo, eu acordei animada. Me levantei, fiz um skincare matinal, tomei um banho longo, lavei e hidratei os cabelos e liguei o som alto para começar à arrumar a casa. Kami está trabalhando e hoje eu não tinha aula, então já que estou sozinha em casa, decidi ocupar meu tempo com mais coisas além de estudar.

Dou play na minha playlist e a primeira música que começa à tocar é Confident do Justin Bieber. Isso só me animou mais ainda e logo afasto um pouco os móveis da sala para começar a minha faxina. Varro o chão, tiro o pó dos móveis, passo um pano nas inúmeras janelas de vidro e tiro a sujeita do tapete. Por último, passo um pano úmido no chão que fica brilhando e dou um sorriso satisfeito com o meu trabalho. Assim que termino, me direciono até o meu quarto e arrumo minhas roupas de cama, tiro o pó de todo o chão, organizo minha escrivaninha e dobro minhas roupas no armário.

Continuo o processo da faxina por toda a casa, me arrisco até em limpar a piscina. Para uma primeira vez fazendo isso, até que a água ficou bem limpa. Assim que acabo todo o meu serviço, meu peito subia e descia de tanto cansaço e me jogo no sofá, sentindo algumas gotas de suor escorrerem pela lateral do meu rosto. Definitivamente era como uma terapia pra mim por mais que fosse extremamente cansativo.

Com o tempo, meus cabelos já estavam secos então eu os amarrei em um coque alto. Pego meu celular em mãos e dou uma olhada nas minhas mensagens. Como o esperado, havia inúmeras mensagens do pessoal, inclusive de Nathan. Várias ligações não atendidas por mim estavam de lembrete. Eu realmente fico impressionada como as pessoas gostam de falar o que querem e, quando recebem uma reação que não querem, se acham no direito de reclamar. Não tenho mais paciência pra isso.

Um sorriso cresce no meu rosto ao ler as mensagens do grupo que havia eu, Marilu e Elisa. Como sempre, fofocavam dos últimos acontecimentos lá no morro e um deles era que a mãe de Elisa estava grávida. Aquilo esquentou meu coração. Nós nos conhecemos desde pirralhas, então, sempre convivemos uma na casa da outra e as mães dessas meninas me tratavam como filhas assim como a minha também tinha o mesmo amor por elas. Era como se um novo membro da família fosse chegar futuramente.

Ao pensar nisso, sinto meus ombros se abaixarem e coloco na minha galeria do celular. Deslizo o dedo pela tela e clico em uma foto específica, a abrindo e sentindo um sorriso fraco escapar.

É uma foto minha e do meu irmão falecido. Ele não era meu irmão de sangue, mas era extremamente colado comigo e com as meninas. João Gabriel me cuidava de mim e me protegia mais do que qualquer pessoa no mundo. Sempre fazia minhas vontades e, literalmente, me tratava como sua irmã mais nova. Ele vivia lá em casa e chamava a mamãe de mãe Lô, um apelido que ela odiava, porém depois do que aconteceu, passou à amar e sentir falta.

João começou à se envolver na vida do crime com treze anos. Na época, eu tinha só nove. A mãe biológica dele, dona Maria, sempre ia lá em casa desabafar conosco que já havia avisado à ele diversas vezes que aquilo não era vida e que não queria sustentar filho bandido. Sempre que eles tinham essas discussões, ele saia de casa transtornado e ia pra boca fumar maconha. Minha mãe também sempre o avisou de todos os perigos e a única coisa que ele sabia repetir para nós era "Eu sei me virar, mãe. Fica tranquila, Deus tá comigo."

Mas, nós tínhamos ciência de que não, ele não sabia se virar.

Isso foi provado em um dos dias das operações policiais que tiveram no morro. Em uma específica, João estava tentando dar cobertura pra um dos amigos e acabou levando dois tiros nas costas. Ele morreu na hora.

Quando recebemos a notícia, foi como se todo o chão que pisássemos tivesse sido arrancado de nós. A mamãe desabou. Na época, eu não entendia muito bem pois era apenas uma criança. Com o passar dos anos, eu preferia ainda acreditar que ele havia virado uma estrelinha, e não mais um favelado vítima do sistema.

Percebi o quão me envolvi naqueles pensamentos quando as lágrimas não perderam tempo em rolar pelo meu rosto. Eu aperto meus olhos, sentindo o soluço esquentar minha garganta e me permito chorar. Chorar de saudade, chorar por saber que, infelizmente, essa é a grande realidade dos moradores da favela.

Eu deixo meu celular de lado enquanto sinto meu rosto molhado por conta das lágrimas e um barulho de passo me assusta, fazendo eu me encolher e olhar para quem havia transmitido esse som.

Nate estava parado ali, me encarando com o pior olhar de dó possível. Eu desvio rapidamente meus olhos do dele.

— Não precisa me olhar como se eu fosse um cachorro abandonado. — Digo, com a voz um pouco embargada.

Não recebo uma resposta. Ao invés disso, Nathan andou devagar até mim e se sentou ao meu lado, colocando seus braços em minha volta e me puxando para um abraço. Eu queria relutar, mas ser forte e manter a postura de pedra o tempo todo era cansativo. Eu não sou de ferro e também tenho meus momentos ruins.

Me permito desabafar ali, nos braços de Nathan e com a cabeça encostada em seu peito. Meus soluços eram altos e eu estava molhando completamente o moletom preto que ele estava usando. Mas, pelo visto, ele não estava ligando nenhum pouco pra isso, pois me apertou mais ainda contra ele e depositou um beijo no topo da minha cabeça.

— Respira. — Ele disse baixo. — Eu estou aqui.

Eu aperto mais minhas unhas no pano do seu moletom nas suas costas, pressionando mais a cabeça contra seu peito e podendo escutar seu coração bater. Não sei dizer exatamente o porquê, mas isso me acalmou de uma forma extraordinária. Em poucos minutos, eu me recompus novamente e minha respiração voltava ao normal lentamente. Sinto seus dedos acariciarem meus cabelos assim que ele percebe que eu havia parado de chorar e só fungava um pouco. Nathan segura meu rosto com as mãos e o levanta, fazendo com que nossos olhos se encontrassem e ficássemos nessa posição por algum tempo. Seu polegar acaricia minha bochecha e me acalma, me deixando totalmente tranquila e indefesa ali, em seus braços.

— O que acha de alguns waffles? — Ele pergunta e quase que involuntariamente, um sorriso enorme cresce em meu rosto. Nathan também sorri mas logo volta a ficar sério enquanto me encara.

Eu mantenho meu olhar fixo ao seu e de uma forma espontânea, junto seus lábios aos meus. Nate segura seu rosto com uma mão e agarra meus cabelos na outra, deixando nossas bocas se afundarem num beijo calmo. Ficamos ali por algum tempo, até nos separarmos e finalizarmos com selinhos.

Novamente ele me envolve num abraço e eu deito minha cabeça em seu ombro, sentindo meu corpo se reiniciar. Era como se, naquele momento, seu colo fosse meu ponto de paz e sossego. A sensação é gostosa mas, ao mesmo tempo, assustadora.

— Eu vou preparar os waffles, tudo bem? — Ele pergunta com sua voz rouca e eu assinto, recebendo um selinho como resposta que me faz sorrir. Ele se levanta e vai até a cozinha para preparar a comida me deixando ali, com aquela sensação de paz e tranquilidade no peito.

Eu espero algum tempo e logo Nathan volta com dois pratos de waffles com melado. Ele se senta no sofá e coloca almofadas nos nossos colos, pondo os pratos em cima das mesmas e se encaixando ao meu lado. Nate liga a TV e coloca num canal que, por coincidência, estava passando o meu desenho favorito: Apenas Um Show. Ele passa um braço pelo meus ombros e me abraça, depositando um beijo em minha cabeça e fazendo aquela sensação de paz aumentar mais ainda.

Ele estava me proporcionando sensações e momentos incríveis e isso é mágico.

𝐁𝐑𝐀𝐙𝐈𝐋𝐈𝐀𝐍, 𝗺𝗮𝗹𝗼𝗹𝗲𝘆.  ✓Onde histórias criam vida. Descubra agora